Título: Questão de pão e manteiga
Autor: Duarte, Fernando ; Roxo, Sergio
Fonte: O Globo, 30/01/2011, O Mundo, p. 41

Os protestos no Egito são como nenhum outro. Não é simplesmente o número de cidadãos envolvidos que fazem deles notáveis, e sim uma variedade de fatores. Primeiro foi a Revolução de Jasmim na Tunísia, que acendeu o momento. Muita gente antecipou que a repercussão dela no mundo árabe poderia fraturar a ordem autoritária de outros países da região. Os egípcios se mostraram dispostos a passar por cima de seu medo da dissidência. Outro fator diferente é a natureza ¿ puramente doméstica ¿ das demandas que iniciaram os protestos. As repetitivas e ambíguas condenações a globalismo, sionismo e política americana para o Oriente Médio ficaram de fora. O mesmo aconteceu com o contexto ideológico no qual o espaço político e público egípcio tipicamente se enquadra.

Integrantes da Irmandade Muçulmana, por exemplo, participaram das manifestações, mas sem abordar o tema religioso. A Revolução de Jasmim efetivamente transformou as prioridades árabes de distrações e retórica banais para a política regional, com o objetivo de pressionar por reformas socioeconômicas que afetam a vida cotidiana. Ao mudar o foco, o movimento egípcio atraiu cidadãos que não estão tipicamente envolvidos em política.

Além disso, o mundo virtual e as redes sociais mobilizaram jovens sem afiliações partidárias num dinâmico e inédito movimento de expressar seus direitos. As demandas são simples, e a linguagem é clara: ¿parem com a corrupção do Estado, precisamos de mais empregos, acabe com a tortura. Agora¿.

O fator mais crítico distinguindo esses protestos de quaisquer outros, no entanto, é o que acaba mudando as regras do jogo para o regime. Antes, demandas econômicas eram separadas das demandas políticas. Mas, agora, questões envolvendo pão e manteiga foram integradas ¿ ou até o motor principal ¿ das manifestações por reformas democráticas.

O establishment no poder agora terá dificuldade para voltar à lógica do separar e dividir. Para evitar a perspectiva de caos, o regime precisa responder às demandas legítimas dos egípcios.

AMR HAMZAWY é diretor de pesquisa do Centro Carnegie para o Oriente Médio em Beirute, Líbano, e escreveu este artigo para o ¿New York Times¿