Título: Um grande equívoco
Autor: Saboia, João
Fonte: O Globo, 01/02/2011, Opinião, p. 7

No passado, cada vez que se aproximava a época do reajuste anual do salário mínimo, o país passava por um período de intensas negociações no Congresso. Quando as condições políticas e econômicas eram mais favoráveis, o reajuste era mais generoso. Em outros momentos ocorria o inverso. Com isso, o mínimo flutuava ao sabor da conjuntura do momento, muitas vezes trazendo prejuízos para os principais interessados - os trabalhadores.

Nos últimos anos o salário mínimo tem passado por um forte processo de recuperação. Entre 2002 e 2010 foi beneficiado por um crescimento real (descontada a inflação) de 57%, ou seja, cerca de 6% ao ano. Parcela deste aumento é resultado da definição de uma regra fixa negociada pelo governo e líderes do Congresso com as principais centrais sindicais, que passou a vigorar em 2007. Segundo o acordo, a cada ano o mínimo é reajustado pelo INPC dos últimos 12 meses para corrigir as perdas inflacionárias, recebendo um adicional correspondente ao crescimento da economia de dois anos atrás (a defasagem de dois anos se deve à dificuldade de se ter uma boa estimativa do crescimento econômico do ano anterior no início do ano seguinte quando o salário mínimo é reajustado).

O acordo funcionou bem enquanto a economia vinha apresentando taxas de crescimento satisfatórias. Entretanto, em 2009, o país foi atingido pela crise internacional, não tendo apresentado crescimento como nos anos anteriores. O governo respeitou o acordo neste ano e o mínimo passou a valer R$540 a partir de janeiro (esse valor deve ser corrigido para R$545 na medida em que o INPC de dezembro só foi divulgado após o anúncio oficial do salário mínimo e foi mais elevado do que o esperado).

Cabe notar que em princípio o valor real do salário mínimo está preservado em 2011 com a correção pelo INPC. Entretanto, neste ano ele não recebeu qualquer aumento real como nos anos anteriores, na medida em que não houve crescimento da economia em 2009.

A reação de algumas lideranças sindicais ao novo valor do mínimo tem sido de intensa crítica à proposta governamental, defendendo que o novo SM passe para R$580. Se, por um lado, um valor mais elevado pode beneficiar aqueles que recebem o salário mínimo no mercado de trabalho ou como aposentados ou pensionistas, por outro representa uma grande elevação nos gastos públicos com os pagamentos dos benefícios. Pode ainda trazer dificuldades para alguns segmentos da economia que funcionam com baixo nível de produtividade e que mal podem pagar o SM para seus trabalhadores.

É preciso não se esquecer que, mantidas as regras atuais, em 2012 o SM se beneficiará do excelente crescimento econômico ocorrido em 2010 (entre 7% e 8%), podendo atingir algo como R$620. Da mesma forma, outro forte aumento real ocorrerá em 2013 visto que em 2011 a economia caminha para apresentar novamente uma taxa de crescimento bastante favorável.

Mudar a regra de reajuste do salário mínimo nesse momento é um grande equívoco. Em primeiro lugar porque é uma boa regra para o país, elevando o piso oficial pago a trabalhadores, aposentados e pensionistas ano após ano, realimentando a demanda e o crescimento econômico e melhorando a distribuição de renda sabidamente muito desigual. Em segundo lugar porque a definição de uma regra fixa traz certa estabilidade para a economia, facilitando o processo de formação de expectativas e tomada de decisão dos agentes econômicos (empresários e trabalhadores). Finalmente, a regra não deve ser mudada casuisticamente no meio do jogo, pois essa não é uma boa prática da democracia.