Título: A volta do dragão
Autor: GOLDFAJN, ILAN
Fonte: O Globo, 01/02/2011, Opinião, p. 7

Cidadãos do mundo, preparem seus bolsos. A inflação está voltando. Ela vem a reboque da tsunami de aumentos de preços de commodities globais, em economias emergentes já aquecidas. Os antigos remédios para o seu combate ¿ política monetária (juros) e flutuação cambial (deixar apreciar) ¿ estão sob suspeita. Novos remédios experimentais ¿ medidas ¿macroprudenciais¿ ¿ estão em uso intenso, sem sabermos ao certo quão eficazes e quais seus efeitos colaterais. O risco de uma parada mais brusca na atividade futura aumentou.

O fenômeno é global. Os preços das commodities subiram por várias razões. No começo, pelos juros baixos no mundo e pela depreciação do dólar. Recentemente, os preços estão subindo pelo crescimento econômico e pelos problemas climáticos globais. O mundo parece que estava despreparado para a volta do crescimento simultâneo das economias maduras e das emergentes.

A inflação, quando é global, costuma ser de ninguém. Não se identificam os responsáveis individuais pelo excesso de demanda global. Cada país percebe a inflação como um choque externo. O viés é deixar o outro combatê-la.

O problema de inflação é mais agudo nas economias emergentes. Enquanto o risco nas economias maduras era de falta de crescimento, as economias emergentes se deram ao luxo de sobreaquecer sua economia. Mas agora a retomada é global. As economias emergentes enfrentam choques inflacionários globais em economias já vulneráveis à inflação doméstica (serviços, por exemplo), precisando desaquecer.

O risco atual nas emergentes é a inflação subir em excesso. E para evitar corroer o poder de compra da população, as autoridades precisarão desacelerar suas economias além do previsto. Nesse processo de desaquecimento, podem inclusive errar a mão. O risco é maior desta vez. Novos instrumentos estão sendo adotados, com resultados menos estudados. São medidas administrativas, como a elevação dos compulsórios, exigências regulatórias que encarecem o crédito e/ou reduzem o prazo do financiamento.

O uso crescente de medidas administrativas (macroprudenciais) ocorre também como consequência da crise financeira e da reação dos EUA. Com a queda dos juros americanos houve uma força para sair dos ativos americanos em direção a ativos no mundo, o que ajudou a depreciar o dólar e apreciar as moedas nos outros países. As economias emergentes resistiram (e têm resistido) à apreciação cambial via intervenção numa batalha que foi denominada ¿guerra cambial¿. Além disso, como a preocupação é com os fluxos de capital, subidas de juros são evitadas para não atrair mais capital. Portanto, a política monetária fica viesada para adotar mais medidas administrativas e menos subidas de juros.

O problema dessa ¿guerra cambial¿ é que ela induz a políticas que podem potencializar o problema da inflação. A manutenção do câmbio num patamar fixo, independente do mérito dessa política por outras razões, impede o câmbio de absorver parte da subida das commodities no mundo via apreciação e permite que a inflação de commodities se transfira integralmente aos preços domésticos.

Mas a adoção de medidas administrativas não é de graça. No passado, essas medidas tinham sido preteridas pelos instrumentos de preço, como a taxa de juros, porque eram menos gerais (afetavam determinados setores) e induziam distorções na economia (geradas pelas tentativas de burlar as políticas).

Interessante, os juros americanos voltaram a subir (juros de dez anos perto de 3,5%), e os motivos iniciais para evitar os instrumentos tradicionais perderam força. Há menos incentivo para a saída de capital dos EUA. Não há razão para os juros não voltarem a ser o instrumento principal das emergentes, como antes. Mas, ao estilo de Dom Quixote, a batalha continua. Países como a Turquia chegam ao limite de reduzir juros para combater a inflação, justificando o ato com medidas administrativas compensatórias.

Em suma, as crises têm sempre seus legados. O pêndulo às vezes atinge o outro extremo. Desta vez, temos mais inflação e o uso excessivo de medidas macroprudenciais. Mais adiante, o risco é uma parada mais brusca da atividade do que o planejado nas economias emergentes.