Título: Protestos já provocam impacto na economia
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 01/02/2011, O Mundo, p. 24

Lojas e bancos não abrem. Três montadoras fecharam, e dinheiro de poupanças é transferido para o exterior

CAIRO. A fúria popular tem feito sua parte, mas o fardo que ¿ como no provérbio árabe ¿ quebrará a espinha do camelo deverá ser a pressão financeira sobre o governo de Hosni Mubarak. Os distúrbios provocados pela revolta popular nas ruas do Cairo e das principais cidades do Egito já estão provocando impacto na economia de um país cujo crescimento acelerado no últimos anos em termos macroeconômicos mascara sérias deficiências estruturais. E em nada está ajudando, por exemplo, a paralisação do sistema financeiro do país.

Ontem, o comércio no centro do Cairo se limitava à abertura de pequenas lojas, por conta do temor dos saques e quebra-quebra ocorridos em áreas da periferia da capital. Pelo menos três montadoras fecharam as portas. E o fato de Suez ¿ cidade onde fica o canal de navegação de mesmo nome ¿ estar no mapa dos distúrbios, levou ontem a gigante do ramo dos contêineres, a dinamarquesa Maersk, a interromper suas operações no Egito. A instabilidade também levou a agência de classificação de risco Moody¿s a rebaixar o país.

¿ Não há como evitar que esse clima de instabilidade política cause prejuízos à economia egípcia. É difícil estimar o total dos prejuízos, mas estamos falando pelo menos de algo na casa de bilhões de dólares ¿ avalia Monar ElBaradei, professora de Economia da Universidade Americana do Cairo.

Índice oficial de desemprego é questionado

E uma das principais razões para pessimismo é o impacto do turismo, um dos motores do crescimento econômico egípcio nos últimos anos, responsável por 11% do PIB e 20% dos empregos formais do país ¿ o setor financeiro e a exportação de refinados de petróleo, incluindo fertilizantes para o Brasil, são as outras áreas cruciais. Outro ponto preocupante é a fuga de capitais ¿ estima-se que um montante equivalente a US$500 milhões diários em poupanças foram transferidos para contas do exterior por egípcios mais abastados desde o início da crise política.

Mas analistas apontam também para as falhas na redistribuição de renda que resultaram em indicadores sociais assustadores para a população egípcia. Dos 80 milhões de habitantes, mais de 40% vivem abaixo da linha de pobreza, com o equivalente a menos de US$2 por dia. Aliado a isso, o país tem passado por inflações sucessivas no preços dos alimentos. E pouca gente acredita no índice oficial de desemprego de cerca de 10% informado pelo governo.

¿ Apenas entre a classe média com educação superior, encontramos evidências de desemprego na casa de 10 milhões. O fato é que a economia egípcia teve um boom de que apenas uma oligarquia de duas mil se beneficiou, enquanto não houve investimentos em infraestrutura e em melhorias sociais. Há uma prática de pilhagem de riquezas por parte de elites ao lado de uma percepção de corrupção do sistema político ¿ afirma Abdul Hamid, diretor Centro Ahram de Estudos Sócio-Econômicos, do Cairo.

Tal quadro, segundo Hamid, estaria contribuindo para um isolamento ainda maior do regime de Mubarak, que poderia provar um empurrão mais eficaz que os berros da multidão. Mas o problema não cessaria com uma saída do presidente:

¿ Torcemos por uma mudança de regime, que definitivamente abriria espaço para reformas urgentes e com 30 anos de atraso. A situação agora é mais perigosa para o futuro econômico que o político do país.