Título: A História mostra que somos bobos
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 01/02/2011, O Mundo, p. 24
Enquanto o mundo pondera o destino do Egito pós-Hosni Mubarak, os americanos deveriam pensar assim: se Mubarak não tivesse governado o Egito como um ditador nos últimos 30 anos, o World Trade Center possivelmente ainda estaria de pé.
Isso é verdade, apesar de o regime de Mubarak ter sido um forte aliado dos EUA, um parceiro em nossos esforços contraterrorismo e um inimigo do radicalismo islâmico.
Em ¿Vulto das Torres¿, Lawrence Wright sugere a possibilidade de que a ¿tragédia americana do 11 de setembro nasceu nas prisões do Egito¿. Mubarak impediu qualquer possibilidade de uma revolução islâmica no seu próprio país. Mas também ajudou a radicalizar e internacionalizar seus islâmicos, empurrando homens como Ayman al-Zawahiri ¿ o número 2 da al-Qaeda, e, possivelmente, o verdadeiro cérebro do grupo ¿ para fora da política egípcia e para a jihad mundial.
Sob seu comando, o Egito recebeu mais dólares do que qualquer país além de Israel. Para muitos jovens egípcios, inquietos com a estagnação política e econômica, odiar seus patronos americanos está a um passo do ódio que sentem por seu ditador. Um dos homens que deram esse passo foi o estudante de arquitetura Mohamed Atta, que estava no voo 11 da American Airlines que atingiu o World Trade Center.
São bons motivos para celebrar uma queda em potencial de Mubarak. Infelizmente, a política do Oriente Médio não é tão simples. Os EUA apoiaram Mubarak tanto tempo por dois medos: o de um outro Khomeini e outro Nasser.
O primeiro medo todo mundo compreende porque ainda vivemos com a tirania religiosa que o aiatolá Khomeini estabeleceu no Irã em 1979, na sequência de uma revolução espontânea não muito diferente da que ocorre atualmente em Cairo e Alexandria.
O segundo medo tem impacto menos imediato porque Gamal Abdel Nasser está enterrado há 40 anos. Mas na última vez que uma revolução popular na terra dos faraós derrubou um regime corrupto (em 1952), Nasser foi beneficiado.
A memória de Nasser é um lembrete de que, mesmo que o Egito pós-Mubarak não se torne uma ditadura religiosa, ainda é provável que se incline a uma direção mais antiamericana.
Os americanos não gostam de admitir isso. Nós nos refugiamos nos sistemas de política externa: o internacionalismo liberal ou a realpolitik, o neoconservadorismo ou o princípio de não intervenção. Temos teorias e esperamos que os fatos se alinhem a elas. Não se intrometa que ninguém se intrometerá com você. Instituições internacionais manterão a paz. Não, a política de equilíbrio de poder que a manterá.
Mas a história mostra que somos bobos. Nós fazemos negócios com ditadores, depois colhemos os frutos do terrorismo. Promovemos a democracia e assistimos à ascensão de islâmicos do Iraque à Palestina. Entramos no Afeganistão e, em seguida, saímos para ver o Talibã assumir. Intervimos no Afeganistão, ficamos, e acabamos presos sem um fim à vista.
Cedo ou tarde, teorias sempre caem. O mundo é muito complicado para elas. O único conforto, enquanto assistimos aos esforços dos egípcios, é que algumas decisões não devem ser tomadas pelos EUA.