Título: Israel autoriza tropas do Egito no Sinai
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 01/02/2011, O Mundo, p. 24

Shimon Peres ignora determinações do governo e elogia Mubarak por ter mantido a paz

TEL AVIV. Pela primeira vez em 32 anos, o governo israelense autorizou o Exército do Egito a atuar na Península do Sinai para evitar na região tumultos decorrentes dos protestos contra o presidente Hosni Mubarak. A pedido do Cairo, Israel permitiu que dois batalhões, num total de 800 soldados, fossem deslocados para o balneário de Sharm el-Sheikh, no extremo sul do Sinai, onde Mubarak costuma receber dignatários num palácio presidencial. A informação não foi confirmada oficialmente pelos dois governos, mas foi revelada por militares egípcios e israelenses à imprensa.

A circulação de tropas egípcias na península é proibida pelo Acordo de Camp David, que selou a paz entre Israel e Egito, em 1979. Em troca da devolução ao Egito da região ¿ ocupada na Guerra dos Seis Dias, em 1967 ¿ Israel exigiu que ela se mantivesse desmilitarizada.

Netanyahu: ¿Aconteceu no Irã e em outros lugares¿

A medida é tida como sinal de que Israel está cooperando com o Exército egípcio, que se mantém fiel a Mubarak. Outro exemplo de apoio seria o envio ao Cairo de dois aviões israelenses com equipamento para dispersar manifestações, segundo a rede al-Jazeera.

No sétimo dia de protestos pelo Egito, gritos de ordem anti-Israel e anti-Estados Unidos começaram a ser ouvidos ¿ numa radicalização que preocupa o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

¿ As fontes da instabilidade não se originam do Islã radical, nem na Tunísia nem no Egito. Mas é verdade que numa situação de caos, uma entidade islâmica organizada pode tomar o controle do país. Aconteceu no Irã e em outros lugares ¿ afirmou, ao lado da chanceler federal alemã, Angela Merkel, em visita a Jerusalém.

Merkel, por sua vez, exortou Netanyahu a retomar as negociações de paz com os palestinos o mais rápido possível ¿ justamente por causa da incerteza quanto ao futuro do Egito.

Netanyahu ordenou que seus ministros mantenham a discrição e evitem comentar a crise no Egito, mas a exigência foi ignorada pelo presidente Shimon Peres, que demonstrou simpatia pelo ditador egípcio.

¿ Sempre tivemos e continuamos tendo um grande respeito pelo presidente Mubarak ¿ disse Peres. ¿ Não digo que tudo o que ele fez foi certo, mas fez pelo menos uma coisa pela qual estamos agradecidos: manteve a paz no Oriente Médio.

Apesar do silêncio oficial, fica cada vez mais claro que o governo israelense teme uma eventual renúncia de Mubarak, que poderia mudar o equilíbrio de forças na região. O status quo entre os dois países ¿ mantido com mão de ferro pelo presidente egípcio há três décadas ¿ pode estar com os dias contados.

¿ O desconhecido é amedrontador. Mubarak é um ditador, e os israelenses sabem disso. Mas é um ditador conhecido, com o qual Israel sabe lidar ¿ afirma Miri Sharf, da Universidade de Haifa.

Para o articulista Ron Leshem, do jornal ¿Haaretz¿, o medo de Israel é o de que, caso haja eleições livres no Egito, ¿o futuro do país seja determinado não por universitários do Cairo, mas sim por 70 milhões de camponeses o pelos mais de um milhão de pessoas que vivem na Cidade dos Mortos¿, referindo-se ao megacomplexo de cinco cemitérios transformados em favelas na capital egípcia.

¿ Eles vão votar nos fundamentalistas da Irmandade Muçulmana porque nenhum partido liberal pode lhes oferecer a rápida mudança que as massas, que sofrem com falta de farinha, de água potável, empregos e casas, tanto anseiam ¿ afirma Leshem.