Título: Artifícios contábeis garantiram um terço do superávit fiscal de 2010
Autor: Duarte, Patrícia
Fonte: O Globo, 01/02/2011, Economia, p. 20
Manobra é mau sinal no ano em que país teve alta recorde, dizem analistas
BRASÍLIA. Um terço do superávit primário ¿ economia feita pelo setor público para pagamento de juros ¿ de 2010 foi garantido por manobras contábeis do governo e, mesmo assim, a meta oficial cheia não foi cumprida. Ao todo, R$33,4 bilhões entraram nas contas públicas do governo por meio de receitas extras, como R$32 bilhões da capitalização da Petrobras, e que levaram o país a fazer uma economia de R$101,696 bilhões, ou 2,78% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país). Como a meta era chegar a no mínimo 3,1% do PIB, o governo teve de descontar parte dos investimentos feitos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ¿ R$11,7 bilhões (0,32% do PIB) ¿ para fazer a conta fechar, como aconteceu em 2009. Ao todo, foram somados R$45,1 bilhões à economia de fato. Um mau sinal, segundo especialistas.
¿ O governo usou esses mecanismos num ano em que a economia foi muito bem (as projeções indicam alta superior a 7% em 2010, a maior desde 1986). É um resultado decepcionante ¿ afirmou o economista Henrique Santos, da corretora Ativa.
A preocupação é com os gastos governamentais, que não param de crescer. Em 2010, o governo federal aumentou em 9,8% os gastos com pessoal e 38% com investimentos. Nos próximos dias, o governo deve anunciar cortes nos gastos este ano e, para o mercado, se quiser cumprir a meta de primário de 3% do PIB, eles terão que ficar entre R$50 bilhões e R$60 bilhões.
Sem as manobras, superávit cairia para 1,9% do PIB
Em 2010, o governo garantiu R$32 bilhões a mais no caixa com a capitalização da Petrobras, que movimentou R$120 bilhões, e R$1,4 bilhão com dividendos antecipados da Eletrobras. Sem isso, o primário teria ficado em 1,9% do PIB. Ambas as estatais não fazem mais parte das contas públicas do país, mas seus ganhos e dividendos são contabilizados, já que a União é sua controladora.
Para o Banco Central (BC), o cumprimento da meta de superávit é importante na política monetária e isso foi deixado claro na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom). Quanto menor o superávit, maior a quantidade de recursos que o governo despeja na economia, favorecendo a alta de preços.
Para o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, as contas públicas são uma variável significativa para as expectativas do mercado, cada vez piores. A pesquisa Focus de ontem mostrou que os economistas preveem um IPCA de 5,64% em 2011 e de 4,70% em 2012, longe do centro da meta, de 4,5%.
Em 2010 a maior contribuição para o superávit veio do governo central (Tesouro Nacional, BC e INSS), com R$78,723 bilhões (2,15% do PIB), representando cumprimento da meta federal. Já os estados e municípios registraram um primário de R$20,635 bilhões (0,56% do PIB), enquanto as estatais contribuíram com R$2,338 bilhões (0,06% do PIB).
O pagamento de juros foi recorde, R$195,369 bilhões (5,34% do PIB) no ano passado, levando a um déficit nominal ¿ receitas menos despesas, incluindo pagamento de juros ¿ de R$93,673 bilhões (2,56% do PIB). Em 2009, ficou em 3,34% do PIB. Com isso, a trajetória da dívida líquida do setor público continuou em queda, fechando em R$1,476 trilhão (40,4% do PIB), abaixo dos 42,8% do ano anterior. Para 2011, o BC projeta que esse indicador ¿ usado para medir o grau de solvência do país ¿ ficará em 37,8%. A dívida bruta ficou em R$2,012 trilhões (55% do PIB), o menor índice da série do BC.