Título: Egito é uma oportunidade para os EUA
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Fonte: O Globo, 03/02/2011, Opinião, p. 6
Os acontecimentos no Egito tomaram um rumo perigoso ontem, quando defensores de Hosni Mubarak entraram em choque com os manifestantes que, pelo nono dia consecutivo, pediam no Cairo a renúncia do ditador. Quebrou-se o caráter pacífico das demonstrações dos últimos dias, horas após o presidente anunciar, na TV, que não concorreria ao sexto mandato consecutivo, mas que permaneceria no cargo até as eleições de setembro e que a polícia voltaria às ruas para ¿restabelecer a ordem¿.
Ao mesmo tempo, intensificaram-se as pressões ocidentais sobre Mubarak, que está há quase 30 anos no cargo e planejava ¿coroar¿ o filho como sucessor. A Casa Branca elevou o tom e disse que uma transição ordeira precisa ser iniciada imediatamente e incluir representantes da oposição. O porta-voz do presidente Barack Obama disse que a ajuda anual de US$1,5 bilhão dos EUA seria reexaminada à luz das ações do governo egípcio. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, após reunir-se com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, declarou que a ação rumo a um novo governo no Egito ¿deve ser rápida, digna de crédito e começar logo¿. Para Nicolas Sarkozy, presidente da França, a mudança precisa se iniciar ¿sem demora¿.
O movimento pela democracia no Egito continua repercutindo, com mais intensidade, em outras capitais árabes. Em Amã, Jordânia, a oposição islâmica rejeitou o novo premier indicado na véspera, numa tentativa do rei Abdullah de acalmar as massas. O presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, há mais de 30 anos no poder, imitou Mubarak e anunciou que não concorrerá à reeleição em 2013. Na Argélia, a oposição marcou para o dia 12 um protesto exigindo que seja levantado o estado de emergência decretado em 1992, e revogada a proibição de novos partidos políticos.
O fim da ditadura na Tunísia, o ocaso de Mubarak e as ondas de choque que ambos criaram podem abrir caminho para uma nova era no mundo árabe, em que governos livre e legitimamente eleitos passem a atender aos reclamos de povos que anseiam por liberdade, governos responsáveis e transparentes e melhores condições de vida, com acesso aos benefícios gerados pelas riquezas de cada país.
É uma extraordinária oportunidade para que a diplomacia americana rapidamente se adapte à nova situação e mude sua estratégia no Oriente Médio: de alicerce de regimes ditatoriais e corruptos como os de Ben Ali (Tunísia), Mubarak (Egito) e Saleh (Iêmen) para cuidadoso apoiador das novas forças políticas que emergirão nesses países. É claro que Washington pisa em ovos, pois ainda não sabe, ninguém sabe, o que virá pela frente. O grande e justificado temor da Casa Branca é que o comando passe para grupos islâmicos radicais. Mas, pelo menos no caso de Egito e Tunísia, o risco parece reduzido, até agora. Mesmo que o risco exista, ninguém, em sã consciência, aposta na permanência de Mubarak. Será, então, inevitável para o Ocidente conviver com a volta à legalidade da Irmandade Muçulmana. E que a sociedade egípcia formule um pacto, a ser expresso numa nova constituição, pelo qual não haja mais espaço para alternativas de poder autoritárias, venham de onde vierem.