Título: Integração empacada
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 24/07/2009, Mundo, p. 16

Presidentes do bloco se reúnem no Paraguai com ausências de peso e sem perspectivas de avanços substanciais. Golpe em Honduras será condenado na declaração final

Cerca de 750 militares e mais de 2 mil agentes paraguaios policiavam ontem as ruas da capital, Assunção, para garantir a segurança da 37ª reunião de cúpula do Mercosul. Os presidentes dos países-membros ¿ Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai ¿ e da Venezuela (em processo de adesão) são aguardados para discutir assuntos que vão desde a expansão da gripe suína no continente ao golpe de Estado em Honduras. O venezuelano Hugo Chávez não tinha confirmado sua presença até ontem. Entre os países associados, os governantes da Bolívia e do Chile garantiram a participação, mas o do Equador, Rafael Correa, não irá. Peru, Colômbia e México (observadores) enviarão seus chanceleres.

Uma pauta variada, com alguns fracassos já anunciados: se arrasta para a próxima presidência de seis meses, a cargo do Uruguai, a tarefa de eliminar a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC). O código aduaneiro unificado transformaria o bloco de simples mercado comum em união aduaneira completa. Por enquanto, os produtos que entram no Mercosul continuarão a pagar impostos no país de entrada e no país de destino final. No entanto, analistas admitem que não era novidade que a presidência paraguaia não conseguiria avançar nesse tema.

O país mantém forte oposição ao fim da dupla cobrança, pois é o único país do bloco sem litoral, e uma de suas principais fontes de renda são os impostos sobre as importações de terceiros. ¿O desencanto em relação ao Mercosul se generalizou. Parece que ninguém está confortável. Gostaríamos de anunciar resultados melhores, mas nos faltaram vontade política e solidariedade, condições essenciais para avançar em um processo de integração¿, lamenjtou o chanceler paraguaio, Héctor Lacognata, durante a reunião do Conselho do Mercado Comum, que começou ontem.

Um projeto do Parlamento do Mercosul (Parlasul) sugere a criação de um Tribunal Superior de Justiça comum. ¿O Uruguai não está de acordo¿, adiantou o presidente Tabaré Vazquez. O bloco conta atualmente com um tribunal permanente para solução de controvérsias, que o governo de Montevidéu já acionou diversas vezes em casos contra Argentina e Brasil. O chanceler uruguaio, Gonzalo Fernández, explicou que a criação de uma instância judicial com competência regional violaria a Constituição de seu país.

Também promete continuar emperrada a adesão da Venezuela, pendente de ratificação pelos senadores brasileiros e paraguaios. A Câmara Nacional de Comércio e Serviços do Paraguai (CNCSP) pediu a rejeição em carta aos congressistas. ¿A democracia não é só a repetição do ritual das eleições: caracteriza-se quando se mantém o poder por consentimento, não mediante a coação, amedrontamento e outras formas de submissão¿, diz o texto.

Outra ideia em discussão, a eliminação do dólar como moeda de comércio do bloco, deve encontrar respaldo do Uruguai e do Paraguai ¿ Brasil e Argentina já comercializam em pesos e reais e pretendem expandir a ideia aos sócios menores. Os paraguaios confirmaram o interesse, mas reconhecem que terão dificuldades para implantar a medida de imediato, pois ainda não contam com um sistema de operações eletrônicas.

Alguns temas prometem encontrar total consenso. Segundo o chanceler paraguaio, os presidentes do Mercosul assinarão um documento de apoio ao governo deposto de Honduras. ¿É um tema que tem suficiente importância e transcendência, e logicamente estará presente na declaração¿, disse Lacognata.

Também sobre a gripe suína não deve haver divergências. O ministro da Saúde da Argentina, Juan Manzur, informou que a presidenta Cristina Kirchner pediu à Organização Panamericana de Saúde (OPS) que os países da região possam estocar vacinas que estão sendo elaboradas nos Estados Unidos e na Europa. Manzur teme que os países do Hemisfério Norte arrematem os estoques. A Argentina é o país da América Latina com o maior número de casos fatais da nova gripe, com 165 mortos e sua delegação levará o tema para a mesa de discussões.

RECEITA DE DISCÓRDIA

A definição de uma taxa única sobre as mercadorias que ingressam no território do Mercosul é o grande entrave para que o bloco avance as negociações comerciais com sócios de peso, como a União Europeia. Embora a decisão pareça simples, ela toca no ponto crítico da integração sul-americana: a assimetria econômica, em especial entre as duplas Brasil-Argentina (os ¿ricos¿) e Uruguai-Paraguai (os ¿pobres¿). Até aqui, a cobrança duplicada da Taxa Externa Comum (TEC), no país de ingresso da mercadoria e no país de destino, tem gerado receita para os dois últimos. Seguidas tentativas de eliminar a sobretaxação esbarraram na dificuldade de encontrar mecanismos capazes de compensar as perdas de uruguaios e paraguaios.

Correa e Uribe se evitam

O presidente do Equador não participará hoje da cúpula do Mercosul, como representante de um país associado. Seu lugar será ocupado pelo chanceler Fander Falconí. Em uma entrevista à rádio Sonorama, Rafael Correa explicou que tomará parte nas festividades de sua cidade natal, Guayaquil (que fica no litoral sudoeste do Equador), e descartou que a ausência tenha algo a ver com a situação política internacional.

O mandatário equatoriano é acusado pela Justiça colombiana de ter recebido dinheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para sua campanha eleitoral, em 2006. Na semana passada, foi divulgado um vídeo no qual um dos principais líderes da guerrilha colombiana menciona a contribuição ¿ embora funcionários da Organização dos Estados Americanos (OEA), que recebeu cópia do vídeo, afirmem que o material foi editado. Correa alega que o material ¿foi fabricado¿ e nega ter sido financiado pelos rebeldes. ¿Pedi às Farc, diretamente, publicamente, para dizerem se o vídeo é verdadeiro ou não, para dizerem se deram dinheiro à campanha de Rafael Correa e para quem o deram¿, declarou Correa a uma rede local de TV.

Rompimento O vídeo aprofundou a tensão entre os dois vizinhos. Em março de 2008, o governo equatoriano rompeu relações diplomáticas com a Colômbia depois que um acampamento das Farc em território equatoriano, perto da fronteira, foi bombardeado. No episódio, foi morto o porta-voz internacional da guerrilha, Raúl Reyes. O presidente colombiano, Álvaro Uribe, critica o Equador por ¿não fazer o bastante¿ para ajudar a combater as Farc, e outros setores apontam auxiliares diretos de Correa como colaboradores dos rebeldes. O mandatário equatoriano, por sua vez, denuncia uma montagem ¿para desestabilizar os governos progressistas do continente¿.

O ministro da Segurança do Equador, Miguel Carvajal, considerou o material audiovisual como parte de uma ¿ofensiva política¿. ¿Não só pretende vincular o governo com as Farc, mas também deslegitimar nossa política contra o narcotráfico e os grupos irregulares¿, declarou à rádio Quito. Carvajal vinculou o vídeo com as respostas da Colômbia à ordem de detenção do ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos, emitida por um juiz equatoriano por seu envolvimento no bombardeio de 2008. Ele lembrou ainda que foram encerradas na véspera as operações militares americanas a partir da base aérea de Manta, no litoral equatoriano. ¿Não é coincidência¿, acusou o ministro.