Título: Indústria cresce 10,5% em 2010, mas queda em dezembro decepciona
Autor: Almeida, Cássia ; Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 03/02/2011, Economia, p. 24

Aumento das importações e alta de juros explicam desaceleração de 0,7%

A produção industrial brasileira cresceu 10,5% no ano passado, resultado só visto há 24 anos, em 1986, no auge do Plano Cruzado. A recessão que o país viveu em 2009, quando a indústria recuou 7,4%, explica parte dessa expansão recorde. Outra parcela veio dos incentivos fiscais. Carros, eletrodomésticos, máquinas e equipamentos e construção civil tiveram os impostos reduzidos ou retirados até o primeiro trimestre do ano. Não por acaso, o período com a maior alta do ano: 3,1%. Em dezembro, porém, a esperada elevação depois de meses de estabilidade não veio. A expectativa era de alta entre 0,4% e 1,5%, mas houve retração de 0,7%, na segunda maior queda do ano, informou ontem o IBGE.

- Essa desaceleração é explicada pelo aumento das importações, estoques elevados, alta das taxas de juros a partir de abril de 2010 e a retirada dos incentivos fiscais - explicou André Macedo, gerente da Pesquisa Industrial Mensal.

Para mostrar esse momento estagnado na indústria, em dezembro de 2010 frente a dezembro de 2009, aumentou em 10% o número de empresas que relataram paralisações, férias coletivas e estoques elevados.

Consultorias e corretoras, diante do resultado inesperado, começam a rever suas projeções para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) em 2010. Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, vai reduzir sua projeção de 7,8% para o ano:

- A produção descolou do varejo. A quantidade produzida é 2,5% maior frente a 2008. No varejo, a distância é de 26,7%.

Bens de capital avançaram 20,8% no ano passado

Até mesmo a alta recorde no ano tem suas nuances. Silvio Sales, economista da Fundação Getulio Vargas, lembra que em 1986, o crescimento de 10,9% veio depois de uma alta de 8,5%. E o país era mais fechado, sem a concorrência das importações:

- Frente a 2008, a alta foi um pouco superior a 2,3%.

As compras externas explicam, segundo analistas, a estabilidade na indústria no segundo semestre. A demanda aquecida, com mercado de trabalho no seu melhor momento e o varejo vendendo como nunca, foi parcialmente atendida por produtos de fora. O impacto foi maior nos bens duráveis (carros e eletrodomésticos) e nos intermediários (insumos para indústria).

A produção de bens de capital, aqueles voltados para o aumento da capacidade produtiva da indústria, cresceu 20,8%, também a maior alta desde 1986. Segundo Macedo, isso dá qualidade à expansão da indústria, por estar diretamente ligada ao investimento na economia, à expectativa dos agentes econômicos e à modernização do parque:

- A base de comparação baixa (em 2009, a produção recuou 17,4%) relativizou a expansão.

Diante do resultado de dezembro, o economista Thovan Tucakov, da LCA Consultores, baixou de 4,% para 3,5% sua projeção para o setor no ano.

- O desempenho da indústria em janeiro pode decepcionar. E o efeito dos juros mais altos também chegará a indústria.

Montero, da Convenção, calculou que a queda em dezembro já deixará o número deste ano 0,6% menor. Já que o nível da produção começou o ano menor que a média da quantidade produzida no ano passado:

- Mas a expectativa é de que a reação esperada em dezembro apareça em janeiro.

Segundo Eduardo Velho, economista-chefe da Prosper Corretora, já há sinais de desaceleração - como uso menor da capacidade instalada, confiança dos empresários crescendo menos, estoques altos em setores, como aço, e menor número de emplacamentos em janeiro.

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, espera que o Banco Central não mude sua política de juros, em alta, olhando o número de dezembro:

- O risco é que, acreditando que não há mais problemas, a política fiscal se acomode. Isso também pode levar o BC a acreditar que não seja necessário um aumento mais forte de Selic.