Título: Cautela nas ruas de olho no Ocidente
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 03/02/2011, O Mundo, p. 30

Principal grupo opositor, Irmandade Muçulmana tenta afastar imagem radical

MANIFESTANTES ISLÂMICOS retiram blocos do chão para usar no protesto

CAIRO. Proscrita, embora tolerada, a Irmandade Muçulmana se move com cautela nos protestos que tentam indicar a porta de saída a Hosni Mubarak. O movimento fundamentalista islâmico ¿ que com sua combinação de ativismo político e assistência social influenciou tantos outros no mundo árabe ¿ procura afastar os temores do Ocidente de que, sem o ditador egípcio, os grupos islâmicos até então mantidos sob mão-de-ferro tomem o poder e transformem o Egito num novo Irã.

¿ Aspiramos ao modelo turco, um Estado laico, mas que tem no governo um partido islâmico moderado. É um erro dizer que, se chegarmos ao poder, vamos impor um Estado islâmico ou uma teocracia como o Irã ¿ afirma Yamal Hanefi, membro da Associação de Advogados da Irmandade Muçulmana.

Hanefi tenta afastar as suspeitas sobre o grupo ¿ cujos integrantes são identificados geralmente pelas barbas nos homens e pelo véu cobrindo os cabelos das mulheres ¿ e mostrá-lo como moderado.

¿ Prestamos assistência também a cristãos ¿ acrescenta.

A Irmandade Muçulmana, ou al-Ikhwan al-Muslimun, é a mais antiga e maior organização fundamentalista islâmica no país. Numa eleição livre, teria se tornado o partido dominante no Parlamento. Mas o governo afirma que a Constituição proíbe partidos religiosos e, por isso, seus integrantes concorrem como independentes. Mesmo sob restrições, seus membros conquistaram um quinto das cadeiras nas eleições de 2005. No ano passado, no entanto, diante de denúncias de fraude, o bloco boicotou o segundo turno.

A força da Irmandade não se mede por cadeiras no Parlamento, mas pela penetração social de um movimento que década a década se ampliou, ocupando brechas deixadas por um Estado ineficiente. Espalhou-se por mesquitas e universidades, invadindo depois sindicatos e alguns dos grupos de profissionais liberais, como médicos, engenheiros e advogados.

Fundada por Hassan al-Banna em 1928, o movimento se destinava inicialmente a disseminar valores islâmicos, mas logo aderiu à política. Na luta para livrar o Egito do controle britânico, criou um braço paramilitar, cujos integrantes se envolveram em assassinatos e atentados a bomba.

Ideias chegaram a Iraque, Afeganistão e Palestina

No final dos anos 40, o grupo já tinha cerca de dois milhões de seguidores no Egito e havia exportado suas ideias a outros países. A Irmandade Muçulmana iraquiana, por exemplo, fundada nos anos 30, deu origem ao Partido Islâmico Iraquiano, influente no país. No Afeganistão, o partido Jamiat-I Islami foi inspirado no movimento, enquanto o Hamas teve sua origem no braço palestino do grupo.

Hoje, a Irmandade afirma que não apoia a violência, embora o tenha feito no passado. Muitos afirmam que as ideias de Sayyid Qutb ¿ ideólogo islâmico que defendia o uso da jihad e que fez parte da Irmandade ¿ influenciaram a formação da Jihad Islâmica e da al-Qaeda. Qutb foi executado em 1966, mas a repressão ao movimento não cessou. Estima-se que 3.400 integrantes estejam presos.

O grupo é atualmente a principal oposição ao Partido Democrático Nacional, de Mubarak. Movimento urbano, sobretudo de classe média baixa, a Irmandade viu seu trabalho social ¿ e influência ¿ se ampliar com a crise financeira. Seus 50 hospitais atendem a milhões de pacientes.

¿ Não entendo como, depois de falar de reformas democráticas no mundo árabe, estejam tão obcecados conosco. A Europa e os Estados Unidos deveriam estimular a mudança ¿ comenta Mahmoud Ahmad Madi, outro advogado da associação.

Mohamed ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica e Nobel da Paz, afirma que o grupo não pode ser excluído do processo político.

¿Estamos dispostos a negociar com ElBaradei e com a oposição. Mas nos recusamos a qualquer negociação com gente do regime como (o vice-presidente) Omar Suleiman¿, disseram os advogados.

Com o jornal ¿La Nación¿