Título: Pela dignidade humana
Autor:
Fonte: O Globo, 07/02/2011, Opinião, p. 6

Quantos brasileiros sabem exatamente o que é uma fecundação assistida? Quantos estudantes de medicina e médicos são capazes de informar a um casal estéril sobre o valor ético da resolução do Conselho Federal de Medicina a respeito das novas regras sobre o uso dessa técnica avançada de fecundação? Quantos advogados, juízes, ministros de Supremos Tribunais conseguirão definir qual é a filiação de uma criança gerada no laboratório a partir dos gametas de doadores desconhecidos?

A resolução do CFM atualiza uma anterior do ano 1992 e determina necessárias orientações sobre a fertilização artificial para regularizar melhor a utilização dessa tecnologia nos centros de reprodução assistida no Brasil. É muito positivo o limite colocado para a utilização dessa técnica apenas para transmitir a vida, e não para clonagem ou experiências com seres humanos, bem como a proibição da redução embrionária, que seria aborto diretamente procurado e, portanto, totalmente ilícito.

Com respeito ao número de embriões transferidos para o útero materno, deve-se considerar a tendência ética que vem predominando em países europeus, como a Alemanha, onde se aprovou recentemente uma lei federal que só permite a fecundação de dois óvulos e a sua transferência para o corpo da mulher que quer ser mãe, impedindo assim a existência de embriões congelados.

É muito significativo que um país que permitiu no seu passado histórico recente a existência de campos de concentração na atualidade não quer ter mais em suas cidades nenhuma câmara de congelamento de embriões.

No Brasil, está-se estudando um projeto de lei sobre fecundação assistida que procurará defender a dignidade da pessoa humana desde a sua concepção, impedindo tanto o aborto direto quanto o congelamento de embriões que sobram das tentativas de geração de filhos. Nesse projeto também se determina um número máximo de óvulos fecundados, não mais que dois, com a imediata e total transferência para o corpo materno, acabando dessa forma com qualquer possibilidade de haver pessoas em tubos de nitrogênio a baixas temperaturas e passíveis de experiências no futuro, caso não sejam mais queridas pelos seus pais.

É muito louvável que os políticos brasileiros estejam assumindo essa atitude de proteção de todos os cidadãos desde a sua concepção e queiram que eles, uma vez concebidos, se desenvolvam naquele ambiente mais acolhedor e amoroso que é o corpo materno, e não num recanto de laboratórios de clínicas de fertilidade humana.

Informa-se também que casais gays poderiam agora satisfazer seus anseios de paternidade e maternidade. O desejo de ter filhos é moralmente bom, mas para esses casais apresenta-se uma questão ética complexa do ponto de vista da geração. Necessariamente eles terão que contar com doadores anônimos e estranhos à sua relação homoafetiva, e seus filhos terão só o conhecimento de 50% da sua filiação. Toda geração tem que corresponder à dignidade da pessoa humana, e isto só acontecerá com o conhecimento da plena verdade sobre quem são os pais, a fim de que essa relação social fundamental - a relação paterno-filial - defina toda a estrutura das demais relações humanas na sociedade.

D. ANTONIO AUGUSTO DIAS DUARTE é médico e bispo auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro.