Título: Respeito à vida
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Fonte: O Globo, 07/02/2011, Opinião, p. 6

TEMA EM DISCUSSÃO: O futuro da reprodução assistida e das pesquisas com células-tronco

O Supremo Tribunal Federal, em sentença histórica, considerou que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida e tampouco ferem o princípio da dignidade humana. Com a decisão, a Corte encerrou um debate no qual se questionava a legalidade do artigo 5º da Lei da Biossegurança, que trata do tema. Foi, à época, uma discussão que envolveu praticamente todas as correntes de opinião do país, da Igreja Católica às mais respeitadas vozes da Ciência, ao cabo da qual o STF manteve o país no curso de um caminho que abre espaço para, por meio de pesquisas, tratar doenças como diabetes, mal de Parkinson e paralisia por trauma da medula espinhal, entre outras.

Por outro viés, o do debate sobre a fecundação assistida, tenta-se agora reabrir uma discussão que já passou pelo crivo da mais alta Corte do país e foi objeto de recente regulamentação do Conselho Federal de Medicina. São iniciativas que procuram contrabandear para a legislação dispositivos que, na prática, inviabilizariam conquistas científicas irreversíveis, como a reprodução assistida e as pesquisas com células-tronco. Fala-se, por exemplo, numa suposta mobilização no Congresso em favor de um projeto de lei sobre fecundação in vitro que visaria a delimitar a dois o número de óvulos a serem fecundados por pacientes.

Tal delimitação acabaria com os embriões disponíveis para pesquisa e praticamente inviabilizaria a fertilização in vitro. Especialistas opinam que, ao limitar por paciente um par de óvulos a serem fecundados, a probabilidade de geração do embrião e, consequentemente, de gravidez se reduz de maneira drástica.

A limitação torna inexequível a reprodução assistida, uma vez que a técnica, por não ser totalmente eficiente, é feita por tentativas de fertilização. A fecundação in vitro seria, dessa maneira, a vítima imediata caso prevaleça esse tipo de pensamento, mas, a longo prazo, estariam prejudicadas também as pesquisas com células-tronco.

As embrionárias são o tipo mais versátil de CTs, pois têm a capacidade de dar origem a todos os tecidos do corpo humano. A Lei da Biossegurança estabelece uma série de critérios para o uso científico dessas células embrionárias no Brasil, o que, por princípio, blinda as pesquisas com pressupostos éticos e legais que impedem os laboratórios de enveredar por experiências que não tenham o estrito interesse da medicina curativa.

O tema, obviamente, tem potencial para estimular discussões infindáveis. Nelas, o que não se deve é resvalar para os extremos das posições que se antagonizam. O obscurantismo não deve se sobrepor à razão, e esta, prevalecendo, deve respeitar valores éticos e morais. Trata-se de encontrar caminhos em que, em vez de se anularem com argumentos que não se tangenciam, Ciência e religião procurem consensos ditados pela transparência, pela ética e pela responsabilidade. E isto é possível. O que o STF considerou legal foi a utilização dos excedentes de embriões em pesquisas, embriões esses que se mantêm congelados e que, com o tempo, seriam eliminados. Grosso modo, são células que teriam como destino o lixo das clínicas de reprodução assistida, em vez de serem aproveitadas em técnicas que podem restituir a esperança de vida a pacientes condenados por doenças irreversíveis. Negar tal expectativa a pessoas precocemente condenadas à morte, ou a uma existência vegetativa, não atende aos princípios do direito à vida e de respeito à dignidade humana.