Título: A liberdade é azul
Autor: Costa, Ana Cláudia ; Daflon, Rogério
Fonte: O Globo, 07/02/2011, Rio, p. 9

Sem troca de tiros, sem feridos e sem violência. Foi desta forma, numa ação integrada com as Forças Armadas, que as polícias ocuparam, em menos de duas horas, nove favelas no Complexo de São Carlos e em Santa Teresa. A operação precede a instalação de três Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) que irão beneficiar diretamente cerca de 20 mil moradores da região e, indiretamente, 500 mil pessoas que transitam nos 17 bairros próximos a esses morros, que ficam entre o Centro, a Zona Norte e a Zona Sul. Ao todo, 846 homens participaram da ocupação: 380 PMs, 189 policiais civis, 103 da Polícia Federal, 24 da Polícia Rodoviária Federal e 150 fuzileiros navais. Para marcar a retomada do território pelo estado, agentes usaram sinalizadores com fumaça azul.

Para entrar nas favelas de São Carlos, Mineira, Zinco, Querosene, Coroa, Fallet, Fogueteiro, Prazeres e Escondidinho, a secretaria de Segurança Pública contou, assim como havia acontecido na ocupação do Complexo do Alemão, com o apoio de blindados do Grupamento de Fuzileiros Navais. O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, classificou a ocupação como um sucesso.

- Conseguimos cumprir os objetivos: a retomada de território e o fim da guerra entre facções que tínhamos naquela região - disse Beltrame, ressaltando a importância da retirada de fuzis e armas das favelas.

Falso médico é detido na Mineira

No início da tarde, policiais militares do 41º BPM (Irajá) encontraram, no alto do Morro da Mineira, na localidade conhecida como "Chuveirinho", uma enfermaria que pode ter sido utilizada para atender traficantes feridos. No local, foi preso o falso médico alemão Kai Jorg Niespodziciky. Ele está ilegalmente no Brasil desde 2007, quando expirou seu visto de turista. Aos policiais, ele confessou que não era médico. De acordo com o comandante do 2º Comando de Patrulhamento de Área (CPA), coronel Aristeu Leonardo, a polícia agora vai verificar se, além de atender moradores, o alemão atendia traficantes feridos.

Até o fim da tarde de ontem, quatro pessoas foram presas, um menor apreendido e um foragido da Justiça levado à delegacia. Foram apreendidos uma pistola; três motos roubadas; uma granada de fabricação caseira; 33 munições de calibre 762; 235 pedras de crack, dois tabletes de maconha; 650 papelotes de cocaína; e 1,2 quilo de pasta de cocaína.

Dez blindados anfíbios iguais aos usados no Alemão e na Penha, em novembro do ano passado, foram usados para abrir caminho e levar para o alto dos morros equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Outros sete blindados equipados com metralhadoras do tipo Mag, com munição calibre 762, ficaram de sobreaviso estacionados no Batalhão de Choque da PM.

A ocupação das favelas no Estácio, Rio Comprido, Catumbi e Santa Teresa foi simultânea e aconteceu pontualmente às 6h de ontem. De madrugada, blindados, policiais do Bope e do Batalhão de Choque já estavam de prontidão na Rua Salvador de Sá. Aos poucos, os carros foram deixando o Batalhão de Choque e se separando para entrar nos morros. As 47 saídas foram cercadas por policiais civis. Todos que entravam nas comunidades ou saíam dos morros foram revistados.

No São Carlos, houve apenas um incidente. Um blindado da Marinha passou por cima do carro de um morador: o Passat ano 1982 do bombeiro eletricista Sebastião Silva Machado, de 57 anos, que estava estacionado no meio da rua. No morro há 20 anos, ele se disse inconformado. Ontem mesmo, fez uma queixa na Corregedoria da PM, no centro operacional montado na Praça da Apoteose. Ele espera ser ressarcido em R$10 mil.

- Meu carro estava parado onde eu sempre estaciono. Não estava no caminho. Tenho o Passat há 14 anos e cuido muito bem dele. Tinha acabado de gastar R$1,3 mil numa reforma. Como vou ficar? - reclamou Sebastião.

Tanta movimentação policial contrastou com a ausência de resistência dos traficantes. Não houve sequer um disparo e, às 7h45m, policiais lançaram sinalizadores para demonstrar que os morros estavam ocupados. As nuvens azuis surgiram nos morros dos Prazeres, Escondidinho, Fallet e Fogueteiro. Os blindados do Grupamento de Fuzileiros Navais retornaram para o Batalhão de Choque à tarde.

Mesmo com a operação, a rotina foi mantida nas nove comunidades. Por volta das 8h, todo o comércio estava aberto tanto dentro das favelas, quanto em vias próximas, como as ruas Haddock Lobo, Frei Caneca e o Largo do Estácio. Moradores responderam com naturalidade à presença da polícia. Alguns, porém, agiram com desconfiança e medo de represálias dos bandidos que fugiram.

- Sei de nada não. Não estou aqui para me arriscar falando bobagem - disse um homem, que teve a bolsa revistada por um PM.

Toda a ação policial foi supervisionada pelo comandante do Estado-Maior da PM, coronel Álvaro Garcia. Acompanhado do comandante do 1º Comando de Patrulhamento de Área, coronel Marcus Jardim, ele percorreu todos os locais da ocupação, checando até mesmo o ponto avançado do Batalhão Florestal, no Sumaré. Segundo Garcia, agora que as favelas estão ocupadas, todas as casas serão vasculhadas. A previsão é que as UPPs sejam instaladas até meados deste ano.

- Já temos 600 policiais formados para atuar nessa região. Primeiro vamos ocupar, homens do Bope e do Batalhão de Choque vão vasculhar a área em busca de armas e drogas para que a UPP seja montada com sucesso - disse Garcia.

Em meio aos carros blindados que passavam pelas estreitas ruas de Santa Teresa, moradores de classe média acenavam com sinal positivo para a ocupação. Nas comunidades, a reação foi a mesma. Uma doméstica de 29 anos saiu de casa por volta das 8h para ir à praia com os dois filhos, de 5 e 6 anos. Foi parada na descida do Morro do São Carlos e teve que mostrar a bolsa.

- Se for para a gente ficar tranquilo, sem risco de bala perdida, acho bom a polícia ocupar - disse ela, que não quis revelar seu nome.