Título: Não existe um aiatolá no Egito
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Fonte: O Globo, 05/02/2011, Opinião, p. 6

Não foi só em outros países árabes, nos EUA e na União Europeia que a revolução em marcha no Egito tem deixado os governantes de cabelos em pé. A perspectiva cada vez maior de afastamento do ditador Hosni Mubarak desnorteou o establishment israelense e causou confusão entre os palestinos.

O raciocínio israelense é claro: Mubarak é 1o pilar do acordo de paz firmado em 1979, e que garantiu ao Estado judeu que não haveria intervenção egípcia em problema algum que ele pudesse ter com os palestinos e com o mundo árabe. Não é pouca coisa. O Egito é o principal país árabe, e está tão afinado com a estratégia dos EUA e de Israel para a região que recebe de Washington US$1,5 bilhão por ano em ajuda militar. Está atrás apenas de Israel.

O governo israelense sentiu como se toda a sua política dos últimos 30 anos estivesse indo pelo ralo com a provável queda de Mubarak, o que levou o premier Benjamin Netanyahu a ir na contramão do mundo e tender, inicialmente, a ajudar as forças pró-ditador egípcio. Mas a derrapagem foi tão grande que na quinta-feira, pela primeira vez, ele elogiou "o avanço dos valores livres e democráticos no Oriente Médio", mas advertiu que, se um regime radical assumir a liderança egípcia, "como ocorreu no Irã e em outros lugares, o resultado pode ser uma derrota para a paz e a democracia". Os palestinos também se mostraram confusos diante da mudança de ventos no Cairo. A princípio, o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, reprimiu manifestações contra Mubarak, mas, na quinta-feira, voltou atrás e decidiu tolerá-las. Já o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, que controla a Cisjordânia, mandou reprimir demonstrações contra o ditador egípcio, que ele considera um parceiro confiável nas negociações de paz com Israel.

Israel teme, como disse Netanyahu, que o Egito vire um novo Irã. A Autoridade Palestina teme que um Egito fundamentalista e radical reforce o poder do Hamas, o movimento fundamentalista e radical sunita que controla Gaza. Ambos parecem não levar em conta que o Egito não tem um aiatolá Khomeini, o líder xiita que protagonizou a Revolução Islâmica e transformou o Irã numa teocracia inimiga do Ocidente. O establishment religioso sunita não tem, no Egito, a importância dos aiatolás xiitas no Irã. A revolução no Egito está sendo feita pelo povo, e não se veem bandeiras de Israel e dos EUA sendo queimadas, pelo simples motivo que o povo não quer espetaculares mudanças geopolíticas, mas comida, emprego, oportunidades e democracia. A Irmandade Muçulmana, a mais poderosa instituição político-religiosa do país, terá um papel muito mais influente numa futura sociedade pluralística egípcia. Analistas estimam que, em eleições limpas (algo inédito no reinado Mubarak), candidatos da organização obtenham cerca de um terço das cadeiras no Parlamento. Mas nada leva a crer que seus adeptos saiam atacando quem quer que seja. Se a revolução no Egito caminhar como se espera, em direção a uma transição pacífica, o momento não é de israelenses e palestinos recuarem ainda mais em relação a uma solução negociada para seu conflito. Com os EUA numa posição de protagonismo aberto em favor da remoção dos obstáculos - leia-se Mubarak -, é de esperar que usem seu peso para recolocar Israel e os palestinos na mesa de negociação. Uma precondição é que o futuro governo egípcio respeite o tratado de paz com o Estado judeu.