Título: O jeito Dilma de Governar e as diferenças com Lula
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 06/02/2011, O País, p. 3

GESTÃO DE GOVERNO. A presidente Dilma manteve os 37 ministérios herdados de Lula, mas, para dar mais rapidez e objetividade à gestão, dividiu a equipe em quatro grupos, com um gerente cada. Enquanto Lula só decidia depois de horas de discussão, Dilma é mais rápida. Ouve os argumentos, e, para demovê-la de suas ideias, o interlocutor precisa ter informações sólidas, provando que a sua proposta é melhor do que a da presidente. Dilma não age na base da intuição.

ENFRENTAMENTO POLÍTICO. Dilma não admite que seu poder seja questionado, sobretudo publicamente, como fizeram o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), querendo forçar nomeações em Furnas. Sempre que isso ocorreu, ela deu um basta e encerrou a discussão. Também não admite que "usurpem" seu poder. Foi assim, por exemplo, quando o governador Sérgio Cabral anunciou a nomeação do secretário estadual de Saúde do Rio, Sérgio Cortes, para ministro. A presidente não gostou, e o que era dado como certo fracassou. Lula, por diversas vezes, contemporizou com aliados e cedeu a pressões políticas. Externamente, ele tratava isso como coisas do jogo político.

GESTÃO. Dilma faz questão de discutir detalhes dos programas de seu governo, o que já lhe rendeu críticas de centralizadora. Não tem paciência com propostas não realistas, é exigente com dados, quer saber detalhes da viabilidade de projetos.

DIVERGÊNCIAS INTERNAS. A presidente detesta que seus subordinados apresentem divergências públicas. O ex-secretário de Política Nacional sobre Drogas Pedro Abramovay sentiu na pele o que é expor ao público um pensamento ainda não formado no governo. Abramovay defendeu o fim de prisão para pequenos traficantes. Dilma não gostou porque poderia dar a entender que o governo afrouxaria a ação contra o tráfico, justamente quando o governo do Rio estava se saindo bem na repressão. Lula deixava correr solto, fazia vista grossa até as polêmicas passarem, limitando-se a dar eventuais broncas nos contendores, sem demitir assessores.

DIREITOS HUMANOS. Enquanto Lula procurava se colocar no centro dos palcos internacionais, dando palpite sobre tudo e todos, Dilma declarou que o Brasil não é obrigado a dar opinião sobre tudo. Em nome das parcerias comerciais, Lula afagava ditadores, como o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Dilma disse que seu governo não será condescendente com regimes autoritários. Lula tinha como política internacional a máxima de que "negócios são negócios". Dilma, embora diga que deseja continuar e expandir as relações Sul-Sul, já deixou claro que não vai tolerar desrespeito aos direitos humanos.

HOLOFOTES. Lula tinha uma personalidade, na Presidência, de celebridade. Fazia vários eventos durante a semana, às vezes até cinco no mesmo dia. Raramente passava uma semana inteira em Brasília e adorava fazer discursos com até 50 minutos de duração. Dilma é mais recolhida ao seu gabinete. Neste pouco mais de um mês de governo, fez sua primeira solenidade no Planalto na quinta-feira, dia 3. Tem zelo especial com o que fala, preocupada com as consequências. Lula falava o que vinha à cabeça; às vezes, pagou caro por isso.

CAÇAS. Em 7 de setembro de 2009, ao lado do presidente francês Nicolas Sarkozy, o então presidente Lula se precipitou e praticamente anunciou que o Brasil optaria pela compra dos caças Rafale, franceses. Era um agrado a Sarkozy, que vinha defendendo um assento para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Ao assumir, Dilma suspendeu o processo. Quer analisar melhor todas as ofertas.

POLÍTICA ECONÔMICA. Os princípios continuam os mesmos, assim como Lula também manteve a política econômica de Fernando Henrique Cardoso: câmbio flutuante, meta de inflação e superávit fiscal. Embora integrantes do governo não gostem da expressão, está em curso um pacote fiscal. Lula fez isso também no primeiro ano, com o discurso de que pegou o país quebrado. Dilma não pode fazer o discurso de que recebeu uma herança maldita de Lula. Mas é voz corrente no governo que fará cortes de mais de R$40 bilhões no Orçamento. Ela enfrenta a pressão das centrais sindicais na questão do mínimo e demonstra que não cederá. Lula recorria à responsabilidade fiscal, mas depois cedia, caso do reajuste dos aposentados que jurou que vetaria e acabou concordando.