Título: Novos ventos no Planalto
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 06/02/2011, O País, p. 3

MUDANÇA DE HÁBITO

Com estilo diferente de Lula, Dilma se afasta do discurso do continuísmo

Com pouco tempo de mandato, a presidente Dilma Rousseff deu sinalizações claras de que não vai passar pela História como a presidente que apenas deu continuidade à gestão de seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ela deseja deixar sua marca própria nos quatro anos de governo e se diferenciar da administração anterior. Segundo ministros ouvidos pelo GLOBO semana passada, já há uma disposição da atual gestão de se afastar do discurso do continuísmo, que teve ênfase na campanha eleitoral.

No Palácio do Planalto, há um consenso de que bater na tecla do "continuísmo" diminui o papel de Dilma. Discretamente, assessores diretos da presidente tentam diminuir ao máximo o nível de atrito com antigos integrantes do governo Lula, principalmente após as diferenças acentuadas nas primeiras semanas de governo Dilma.

- A alternância de estilo causa um aspecto positivo e oxigena o governo. Mas não vejo por que Lula ter ciúmes daquilo em que ele apostou - disse o governador Jaques Wagner (PT-BA), interlocutor próximo de Dilma e Lula.

- Não tem modelo pior ou melhor. São estilos muito diferentes. O Lula era palanqueiro e Dilma, não - diz o presidente do PT, José Eduardo Dutra.

Mas há o reconhecimento interno de que essas diferenças são mais profundas do que uma simples mudança de estilo. Em vários casos, há um confronto direto com o governo Lula. Isso fica mais evidente na condução da política externa. A quebra do continuísmo ainda aparece com força na condução da política econômica, na nova ênfase de gestão do governo e na relação firme com os aliados, nas negociações de cargos de segundo escalão.

- Dilma não terá preocupação com a popularidade imediata. Não fará qualquer coisa pela reeleição. Essa é sua diferença. Vai se concentrar na administração do governo e evitar muito uma agenda congressual para não ficar dependente de aliados. Em relação à política externa, não tem ambição de ser um grande líder mundial, como Lula. Sem essa necessidade de ganhar projeção internacional, Dilma deve facilitar muito a retomada de uma política externa conduzida pelo Itamaraty - disse um ministro próximo a ela.

Itamaraty volta a ter mais independência

A declaração de Dilma na Argentina, de que o Brasil não precisa ter opinião sobre tudo no mundo, ao ser questionada sobre o Egito, causou desconforto entre antigos assessores de Lula. No Ministério de Relações Exteriores, a avaliação é que, após a política externa da "Era Lula", o Itamaraty voltou a atuar de forma mais independente.

Mas seguindo a cartilha do Planalto de evitar atritos, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse que as mudanças eram só uma "nova calibragem" ao ser questionado por um interlocutor.

Em outras áreas, as diferenças também são expressivas. Além do estilo discreto, que evita longas falas de improviso, Dilma foi ágil nas crises políticas. O primeiro choque de comportamento foi explicitado na transição: Dilma vetou a indicação do secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, para o Ministério da Saúde, após o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) ter feito um anúncio antecipado.

Na primeira semana de governo, Dilma repreendeu o general José Elito de Carvalho Siqueira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, porque ele disse que não é motivo de vergonha para o país o desaparecimento de presos políticos na ditadura.

Contrariada por comportamento de assessores, ela também deu sinal verde para a demissão imediata de Pedro Abramovay da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; do presidente do Ibama, Abelardo Bayma, e do presidente do Inep, Joaquim Soares Neto. Na crise do Sisu, Dilma determinou que o ministro da Educação, Fernando Haddad, cancelasse suas férias.

Diferentemente de Lula, que em negociações com aliados costumava empurrar com a barriga os problemas, ela tem sido dura ao rejeitar indicações políticas para o 2º escalão. Isso ficou claro ao vetar as indicações do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN) e do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para Furnas.

Na política econômica, surpreendeu o mercado com o discurso de responsabilidade fiscal, inclusive ao endurecer na negociação do mínimo com as centrais sindicais, diferentemente de Lula, que preferia uma negociação permanente com os sindicalistas. Com pouca margem orçamentária, Dilma preferiu abrir um canal direto com o Congresso, antes de enviar a medida provisória com o reajuste de R$545 do salário mínimo.

- Diferentemente do governo Lula, em que ministros defendiam os trabalhadores, no atual governo estamos sem apoio. Se Dilma continuar assim, vai perder o apoio dos trabalhadores. Vamos fazer uma mobilização nacional, o que será um grande desgaste para o governo - advertiu o deputado Paulinho da Força (PDT-SP), reagindo à postura do governo.