Título: No Itamaraty, calibragem imprime tom mais firme, e também discreto
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 06/02/2011, O país, p. 4

MUDANÇA DE HÁBITO

Dilma marca diferença de Lula ao dizer que Brasil "não pode ter opinião sobre tudo"

BRASÍLIA. Não há área em que seja mais visível a diferença entre os governos Dilma Rousseff e o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva do que a da política externa brasileira. A cara da presidente Dilma mostra uma elevação do tom e uma posição intransigente na defesa dos direitos humanos. O novo governo também demonstra buscar uma outra forma de relação com a China e também com os Estados Unidos. No primeiro caso, prepara medidas concretas e agressivas para resistir à invasão dos produtos chineses no mercado brasileiro e no segundo uma reaproximação. No Itamaraty, afirmam diplomatas, estão sendo sentidos novos ares.

Mudança, dizem integrantes do novo governo, é uma definição forte demais para o jargão da diplomacia brasileira. "Calibragem" é como preferem chamar o novo tom da política externa brasileira. Preocupados em não melindrar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as novas diretrizes do governo, alegam que não só na área externa do governo, mas em outras também, a grande diferença é de estilo e não de política.

Nota forte sobre Egito marcou estilo Dilma

Aos poucos, demonstrações estão sendo dadas de que algumas práticas do governo anterior foram abandonadas. Ninguém poderia imaginar Lula dizendo, mesmo que discretamente, que "o Brasil não pode ter opinião sobre tudo", como fez recentemente a presidente Dilma, na única viagem ao exterior feita até agora, à Argentina, referindo-se à crise no Egito.

No gabinete do novo ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, os sinais dos novos tempos são discretos, mas simbólicos. A tapeçaria com o mapa-mundi que ficava pendurada atrás da mesa do ministro - pano de fundo da maioria das fotos do antecessor Celso Amorim - foi trocada pelo "Guerra e Paz", de Portinari. O mapa foi colocado na parede lateral do gabinete. No governo Lula, Patriota ocupava a secretaria geral do Itamaraty, segundo posto na hierarquia do ministério, e numa entrevista recente à revista "Veja" declarou que: "Continuar não é copiar".

Entre os inúmeros sinais de mudanças que vêm sendo passados por Dilma desde a transição, o mais forte foi dado na quinta-feira passada, quando o Itamaraty soltou nota "deplorando" o que estava acontecendo no Egito a jornalistas brasileiros.

- Nunca tinha visto uma nota tão forte - comentou um experiente diplomata, afirmando que surge, no Brasil, um estilo diferente do de Lula.

O assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, diz que a presidente "tomou gosto" por relações internacionais.

- Ela (Dilma) não é um autômato, uma máquina programada - disse.

Sobre o novo posicionamento do Brasil na defesa dos direitos humanos, Marco Aurélio afirma que o país manterá os princípios de sua diplomacia de Estado, como a não interferência em assuntos internos e a não seletividade em direitos humanos. Mas vai cobrar maior transparência nos fóruns internacionais.

- O que temos visto é uma utilização um pouco seletiva do tema dos direitos humanos. Não por acaso se condenam países da África, países árabes, países do Sul do mundo, como violadores de direitos humanos, e outros países, que têm também problemas graves, são invariavelmente poupados. Precisamos resolver essa questão por meio de mecanismos mais transparentes - disse Marco Aurélio.

No Itamaraty e em postos no exterior, graduados funcionários do Brasil veem com bons olhos declarações de Dilma condenando a pena de morte por apedrejamento no Irã e defendendo os direitos em Cuba. Tal postura também agradou aos EUA, que já ensaiam uma reaproximação com o Brasil, na visita de Barack Obama ao país, prevista para o mês que vem.

Dilma se prepara para o que vem sendo considerado seu primeiro grande teste em política externa: na próxima semana, estará em Lima, no Peru, participando da cúpula de chefes de Estado da América do Sul e dos Países Árabes. Em meio à forte crise política em nações como o Egito, a Tunísia e a Jordânia, a presidente conversará com os colegas sobre formas de se manter a estabilidade na região. A diferença é que, ao contrário de Lula, Dilma aparenta não querer disputar espaço com os Estados Unidos nessa questão.