Título: WikiLeaks: EUA criticam política de Lula para índios
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 06/02/2011, O país, p. 15

Demarcação da Raposa Serra do Sol também foi abordada

BRASÍLIA. A diplomacia americana apontou inúmeras falhas da política indigenista do governo Luiz Inácio Lula da Silva e, em 2005, fez até comentários jocosos sobre a estrutura da Funai em Brasília. Documentos, revelados pelo site WikiLeaks, indicam que os Estados Unidos não só acompanham de perto os conflitos fundiários envolvendo etnias brasileiras como têm especial interesse nos desdobramentos da demarcação em área contínua da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima - polêmica que acirrou os ânimos entre governo e ruralistas no Norte do país.

Telegrama enviado a Washington, em 2005, revela que o alto funcionário da embaixada Patrick Linehan ficou impressionado com o mau estado de conservação do prédio da Funai, durante visita ao então vice-presidente, Roberto Lustosa. Na conversa, Lustosa apontou a falta de verba como o principal dilema para o bom funcionamento do órgão.

"O mal-estar orçamentário se reflete na pobre manutenção de suas instalações. O oficial apostou e acertou o oitavo andar do elevador porque metade dos botões não tinham indicação. As paredes sombrias também falam pelos anos de negligência institucional", afirmou Linehan.

EUA duvidaram da demarcação da Raposa do Sol

Além do sucateamento do prédio, os americanos demonstravam ceticismo com a capacidade do Brasil em levar adiante a promessa de demarcar a Raposa Serra do Sol. Em 2005, o então embaixador John Danilovich relata o que classifica de "pobre" política indigenista do governo Lula: "Durante os primeiros dois anos e meio de Lula no cargo, não há indicações de que sua administração criou uma política nacional coerente para atender às necessidades indígenas".

Depois que o Supremo Tribunal Federal confirmou, em 2008, a demarcação da Raposa Serra do Sol em área contínua, os americanos se dedicaram a explicar a Washington como o modelo funcionaria. Inclusive ressaltando que as etnias não têm direito às reservas minerais acumuladas sob a reserva. "Indígenas não têm direitos minerais ou energéticos no subsolo, mas podem receber lucros sobre a exploração", afirma em telegrama a conselheira Lisa Kubiske.

Antes da decisão do STF, em telegrama confidencial enviado aos EUA em maio de 2008, o diplomata Phillip Chicola afirma que a demarcação será pouco para recompor a dívida do Brasil com os indígenas: "Revolver a disputa em favor dos índios do Brasil será um precedente e enviará uma forte mensagem aos poderosos que manipulam o processo de demarcação. Mas, mesmo que a terra seja finalmente demarcada, o governo erraria se pensasse que preencheu suas responsabilidades com os indígenas na Reserva Raposa Serra do Sol".