Título: Rios de dinheiro
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 06/02/2011, Economia, p. 35
A RIQUEZA DA ÁGUA
Cidades vivem com a fartura e o desperdício de R$2 bilhões em royalties de hidrelétricas
Há um seleto grupo de pequenas cidades no Brasil onde existe dinheiro para acabar com o analfabetismo, tratar o esgoto, ter 100% dos alunos estudando em período integral, manter bons hospitais. E, claro, sobram recursos para extravagâncias como a construção da maior estátua de bronze da América Latina, ladear uma estrada com palmeiras imperiais ou abandonar um gigantesco parque aquático na fase final das obras. São as cidades milionárias que recebem compensações financeiras das hidrelétricas, conhecidas genericamente como royalties das águas.
No total, 663 cidades de 22 estados recebem a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (Cfurh), ou os royalties de Itaipu, por terem áreas alagadas ou abrigarem usinas em seu território. Só no ano passado, foi recolhido R$1,9 bilhão nessas compensações, também dividido com a União e os governos estaduais. Embora as cifras não sejam tão impressionantes como a dos royalties do petróleo - que chegam a R$10 bilhões por ano -, os recursos das hidrelétricas passarão dos R$2 bilhões em 2011 e esse valor só tende a crescer, já que o governo planeja construir novas grandes usinas no país.
No Oeste do Paraná, às margens do lago de Itaipu, as transformações são mais visíveis. Os 15 municípios que circundam o reservatório têm benefícios sociais e econômicos como bolsa de estudos a universitários e subsídio a agricultores. Há cidades onde o recebimento anual dos royalties equivale a R$3 mil por habitante. Santa Helena é a campeã do país, com quase R$40 milhões por ano.
E, ao contrário do que ocorre com o petróleo - que sofre variação internacional de preço -, os valores recebidos pela compensação das usinas é mais estável, com crescimento constante. Mas, como não há restrição para uso do dinheiro, como acontece no setor petrolífero, que não pode-se, por exemplo, pagar pessoal ou dívidas com os royalties, acaba sendo território fértil para descaso e desperdício de recursos públicos.
MT tem ambulância, mas falta luz
Um dos exemplos de mal uso desses recursos é o do parque aquático de Itaipulândia (PR). A prefeitura investiu, até 2005, R$18 milhões no empreendimento, mas decidiu suspender a obra quando faltavam apenas R$8 milhões para sua conclusão. Com isso, o município pagou multa de quase R$3 milhões à construtora. Ou seja, foram destinados R$21 milhões à obra. Para piorar, todo o maquinário do parque foi roubado. Só então a prefeitura passou a pagar um vigia para o local. Os moradores da cidade não admitem o que ocorreu ali:
- É muito falta de planejamento, muito pouco caso, muito desvio. Itaipulândia era para ser perfeita - afirma a comerciante Inês de Araújo.
Por ano, 187 municípios vêem entrar em seus caixas mais de R$1 milhão provenientes da contribuição. Como são cidades distantes e pequenas, esses recursos fazem com que a qualidade de vida nestas localidades seja muito superior às cidades vizinhas. Em algumas delas, 70% do orçamento vêm dos royalties. Sonora (MS), na divisa com o Mato Grosso e porta do Pantanal, por exemplo, deu uma guinada depois do início das operações da usina Ponte de Pedra. O município é um canteiro de obras e deve inaugurar em meados do ano a grande praça da cidade, com chafariz e tudo, que tende a ser a principal fonte de entretenimento do local:
- Somos a cidade mais asfaltada da região - afirma Frutuoso Manuel de Oliveira, piauiense de 46 anos que há nove está radicado na região.
A vizinha Itiquira (MT), que divide o reservatório da hidrelétrica com Sonora, passou a ter ambulância depois dos repasses de royalties, mas a população se queixa que as transformações ainda não chegaram com força, faltam infraestrutura e serviços. Mas as duas, por exemplo, convivem com rotineiras falta de energia, pois a produção da hidrelétrica é direcionada para Minas Gerais. O quadro não é diferente em Foz do Iguaçu, que tem mais de 250 mil habitantes e recebeu R$27 milhões no ano passado:
- A prefeitura mandou tirar o ônibus que vinha até o bairro. Agora temos que caminhar 40 minutos até a parada. Um absurdo uma cidade tão rica, que recebe tanto da usina, piorar os serviços - diz o vigia Fagner Oliveira, que mora no Jardim Califórnia II com a mulher Adriana Volpeta e o enteado Enzo, de um ano.