Título: Congresso pode mudar destinação de recursos
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 06/02/2011, Economia, p. 37

A RIQUEZA DA ÁGUA

Crescimento dos valores aumenta pressão para redividir dinheiro. Para especialistas, gestão deveria ficar com a União

SANTA HELENA (PR), ITIQUIRA (MT) e SONORA (MS). O forte aumento no valor dos royalties das hidrelétricas nos últimos anos - que passou de R$671 milhões em 2000 para R$2,051 bilhões em 2011 - acelerou no Congresso o trâmite de projetos de lei que alteram a distribuição destes recursos e que estavam arquivados. O Senado está em vias de aprovar uma proposta que eleva em quase 50% o repasse desses recursos aos municípios, retirando verba dos estados. Na prática, os valores de rateio das prefeituras passariam de cerca de R$900 milhões em 2011 para aproximadamente R$1,3 bilhão.

- Esses recursos são muito importantes para as cidades atingidas pelas barragens, mas menos importantes para os estados e a União. A cidades perto de hidrelétricas ganham um ônus muito grande - disse o deputado Sandro Mabel (PR-GO), que desarquivou em 2009 o projeto e fez com que ele fosse aprovado com celeridade na Câmara, conseguindo até que o texto não fosse analisado pelo plenário, mas apenas em comissões.

No Senado, o projeto 315/2009 passou por algumas comissões e aguarda pedido de informações dos ministérios do Meio Ambiente e de Minas e Energia. Assim que estas pastas responderem, o projeto terá um novo relator - o anterior, Wellington Salgado saiu com o fim da legislatura - e deverá ser analisado só pelas comissões.

Mas a proposta é criticada por José Luís Vianna da Cruz, doutor em urbanismo, professor da UFF e especialista em royalties. Para ele, o ideal é que os recursos fossem federalizados, mas que houvesse um compromisso de investimentos na região geradora do royalty:

- Sem considerar casos de corrupção, que não é algo provado, a má aplicação dos recursos não pode ser de responsabilidade apenas dos prefeitos. A União deveria integrar esses recursos com programas regionais, até porque os royalties, sejam eles de petróleo, hidrelétrica ou minerais, dificilmente são gerados em um único município. Sem planejamento, esses recursos milionários não serão bem aplicados - disse.

No Paraná, recursos beneficiam só servidores

O advogado Fernando Facury Scaff, professor da USP e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff - Advogados, acredita que a discussão sobre os recursos das hidrelétricas ganhará força com o aumento da arrecadação causado pelas novas usinas e pelo preço da geração da energia:

- A base constitucional para essa cobrança é a mesma dos royalties do petróleo e dos minerais. Com o aumento dos valores, haverá cada vez mais interesse, ainda mais porque é um recurso sem grandes disputas judiciais e com destinação praticamente livre.

A destinação dos recursos aos estados e à União nem sempre garante um uso mais eficiente dos recursos. O Paraná é o estado que mais recebe recursos das hidrelétricas: em 2010, os valores chegaram a R$228,1 milhões, a maior parte dos recursos de Itaipu. Mas os beneficiados foram poucos: todos os recursos oriundos da usina binacional são direcionados, desde o ano 2000, ao Paraná Previdência, fundo de pensão dos servidores estaduais que conta com cem mil beneficiários e 200 mil trabalhadores na ativa:

- Fizemos um acordo em 2000 para capitalizar o fundo, os recursos de Itaipu vão direto para lá. Até o momento o Paraná Previdência recebeu R$2,3 bilhões e o acordo segue até 2020 - afirma César Ribeiro Teixeira, coordenador de administração financeira do estado, que disse que o dinheiro de novas hidrelétricas será direcionado para o Instituto Paranaense de Águas.

De acordo com fontes do setor, São Paulo é um dos poucos estados que direcionam a totalidade dos recursos a políticas que melhorem os recursos hídricos e as bacias. Em Minas Gerais - que recentemente sancionou uma lei que flexibiliza o uso das áreas de reservas às margens dos rios - dispõe de 50% dos recursos para a melhoria dos recursos hídricos.

Verba da agência de águas é contingenciada

Nem mesmo a União usa todos os recursos. No ano passado, a Agência Nacional de Águas (ANA) - de cujo orçamento os royalties respondem por 80% - executou apenas R$72 milhões do total inicial de R$169 milhões, ou cerca de 40% do total. Todo o restante foi contingenciado, ou seja, indiretamente desviado para a formação do superávit primário do governo - economia para o pagamento dos juros da dívida pública. Para este ano, segundo fontes da agência, o valor contingenciado, de acordo com o que foi anunciado até o momento, deve ser menor: apenas R$29 milhões.

O Ministério do Meio Ambiente, que também recebe parte dos recursos, informou que os recursos, por força de lei, vão para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Ainda não foram definidas as prioridades de 2011. O órgão lamentou, em nota, o fato de estados e municípios não necessariamente destinarem os recursos para a área de conservação hídrica. Já a parcela do Ministério da Ciência e Tecnologia vai para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).