Título: Cai cúpula do partido de Mubarak
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 06/02/2011, O Mundo, p. 46

Liberal assume secretaria do PND. Enviado dos EUA defende ditador à frente da transição

Enquanto tenta prolongar seu extenso mandato presidencial, o presidente do Egito, Hosni Mubarak, assistiu ontem à dissolução da cúpula executiva do governista Partido Nacional Democrático (PND). No décimo-segundo dia de protestos populares contra a ditadura, milhares de manifestantes continuaram nas ruas do país, mas o verdadeiro epicentro da crise passou às batalhas e articulações de bastidores. Mubarak se reuniu com alguns de seus ministros e, em outra frente, o vice-presidente Omar Suleiman se encontrou com um grupo de representantes da oposição ¿ autointitulado ¿Conselho dos Homens Sábios¿ ¿ na tentativa de esboçar planos de transição.

Entre as mudanças mais significativas na cúpula do PND estão a renúncia do filho mais velho de Mubarak, Gamal, numa manobra que impossibilita a eventual candidatura à Presidência daquele que era o mais cotado para a sucessão do ditador. A substituição de Safwat el-Sherif, um dos mais próximos aliados de Mubarak, por Hossam Badrawi na secretaria-geral do partido também poderá ter um peso decisivo na transição. Integrante do Conselho da Shura (o Senado), Badrawi, além de médico e professor da Universidade do Cairo, é visto como representante da ala mais liberal do PND.

¿ Após 30 anos de desmandos, as pessoas não vão se contentar com pouco. Nada mais surpreendente que o círculo de Mubarak comece a vê-lo como problema, embora o regime ainda controle as Forças Armadas, o que não deve ser menosprezado ¿ disse ao GLOBO Abdul Hamid, do Centro al-Ahram de Estudos Sócio-Econômicos.

ElBaradei se alia à Irmandade

Redes árabes como al-Jazeera e a al-Arabiya chegaram a noticiar que a reforma do PND incluiria a saída de Hosni Mubarak, mas a informação foi desmentida e o presidente permanece no cargo ¿ e no partido. Ele até fez a primeira reunião de seu novo gabinete, anunciando planos para tentar normalizar a situação egípcia, que inclui hoje a reabertura dos bancos, fechados há quase uma semana.

Lançando dúvidas quanto à posição oficial dos EUA, o enviado especial americano ao Egito, Frank Wisner, afirmou que Mubarak deve ficar e conduzir a transição. Para ele, a Constituição egípcia requer o presidente no cargo para que possa ser alterada.

¿ Precisamos chegar a um consenso nacional sobre as condições para o próximo passo. O presidente deve ficar no cargo para liderar essas mudanças. Seu papel permanece crítico.

Mais cedo, a secretária de Estado, Hillary Clinton, havia advertido que o ¿Oriente Médio enfrenta uma tempestade perfeita¿, forçando líderes regionais a reformas democráticas, e manifestado seu apoio a Suleiman.

¿ O status quo é simplesmente insustentável ¿ afirmou, numa conferência em Munique, na Alemanha. ¿ É importante apoiar o processo de transição liderado pelo vice-presidente.

Suleiman, por sua vez, tentou avançar, reunindo expoentes do bloco anti-Mubarak para discutir possibilidades de transição ¿ como a que permitiria ao presidente seguir no cargo até o fim do ano de forma cerimonial.

Essas propostas, no entanto, esbarram em divergências na oposição. Se, por um lado, houve quem atendeu ao apelo de Suleiman, por outro, a Irmandade Muçulmana e o Nobel da Paz Mohamed ElBaradei se opõem: para eles, a transição sob a tutela de Suleiman significa eleições presidenciais com as mesmas regras do velho regime, que impedem um pleito verdadeiramente democrático. Eles defendem, em primeiro lugar, eleições para um novo Parlamento ¿ que seria responsável por mudar a Constituição e abrir caminho para as presidenciais.

ElBaradei oficializou sua aliança com a Irmandade, dona de grande apoio nas camadas mais pobres da população, um dos pontos fracos da base do ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).