Título: Protesto vira palanque para o futuro do Egito
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 05/02/2011, O Mundo, p. 32

Diante de milhares de manifestantes dando ultimato a Mubarak, ElBaradei e Amr Moussa começam a despontar como candidatos

Depois de dois dias praticamente ininterruptos de violência entre partidários e opositores do governo de Hosni Mubarak no centro do Cairo, a Praça Tahrir voltou a receber famílias e manifestantes mais velhos, que de lá haviam sumido depois da sangrenta invasão de quarta-feira. Foi um dia em que a praça, tomada por mais de 100 mil pessoas, transformou-se num local de música e preces. Transformou-se também num palco político, onde as candidaturas dos sucessores de Mubarak começam a se definir, sem que a oposição defina um nome único para enfrentar os 30 anos de ditadura.

Palco de um bizarro corpo-a-corpo de autoridades e egípcios mais notórios, a Tahrir recebeu tanto o ministro da Defesa, Hussein Tantawi, que, acompanhado de altos oficiais do Exército, passou em revista as tropas, quanto figuras da oposição, que parecem ter dado a largada à sucessão de Mubarak, como o ex-chanceler e atual secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, e o prêmio Nobel da Paz de 2005, o advogado Mohamed ElBaradei.

Tantawi, o primeiro representante do alto escalão do governo a visitar Tahrir, pediu aos manifestantes que começassem a pensar em se desmobilizar, agora que já se sabe que o presidente deixará o cargo no final do ano:

- O presidente já disse a vocês que não vai se candidatar - lembrou Tantawi, que também pediu ao líder da Irmandade Muçulmana, Mohammed Badie, para aceitar a oferta do governo de participar das negociações de transição.

O grupo mais organizado da sociedade civil egípcia, porém, recusa-se a negociar enquanto Mubarak estiver no poder, embora o governo tenha informado ao movimento - até hoje mantido na ilegalidade - que será reconhecido como partido. Ontem, a Irmandade anunciou que não lançará candidato a presidente em setembro. Nos últimos dias, comentou-se que a organização poderia apoiar ElBaradei. O ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, da ONU) afirmou ontem que pode ser candidato à Presidência. Assim, ele desmentiu a reportagem de um jornal austríaco que afirmava que estaria fora da corrida presidencial.

- Não é verdade. Se o povo egípcio quiser que eu continue no processo de mudança, não o decepcionarei - disse à TV al-Jazeera.

ElBaradei voltou a defender a partida do presidente como única solução para a crise, argumentando que seria a saída mais digna para Mubarak, de 82 anos.

- É hora de o presidente ouvir os pedidos do povo. Saia com dignidade, protegeremos sua partida. O mundo inteiro quer que Mubarak deixe o cargo porque ele perdeu a legitimidade. Serviu ao seu país, cometeu erros, mas agora é hora de ir. Como militar, Mubarak deveria saber qual é a hora de se retirar.

Outro possível candidato é Amr Moussa. Sua presença nos protestos de ontem pareceu ser um balão de ensaio para ver como os egípcios reagiriam. Seu grupo foi recebido por manifestantes com o coro de "presidente", embora suas tentativas de falar tenham sido abafadas pelos gritos da multidão. Perguntado pela rádio francesa Europe 1 se seria candidato, respondeu:

- Por que dizer não?

Fora da disputa, além da Irmandade Muçulmana, estaria o atual vice-presidente, Omar Suleiman. Pelo menos a princípio. Para o primeiro-ministro Ahmed Shafiq, é improvável que Mubarak transfira o cargo para seu vice.

Manifestações se repetem pelo país

Apesar do clima mais relaxado, e sob forte presença do Exército, os manifestantes estavam com a guarda em alta no Dia da Despedida, como ficou conhecido o protesto pedindo a saída imediata do presidente: durante as preces muçulmanas, por exemplo, grupos de cristãos vigiavam a movimentação ao redor para evitar a ação de policiais ou manifestantes pró-Mubarak infiltrados. Ilham al-Sarmahi, um dos médicos voluntários que trabalham no hospital de campanha da praça, contou ter sido agredido numa das ruas vizinhas.

- Quando informei que estava ali para salvar vidas, ele (o agressor) me disse para deixá-los morrer - contou o médico.

Houve também relatos de enfrentamentos nas ruas próximas, pois manifestantes pró-governo organizaram marchas na Praça Moustafa Mahmoud, vizinha à Tahrir. De acordo com o Ministério da Saúde, 5 mil pessoas ficaram feridas desde o início dos protestos, com o número oficial de mortos em 11 - três deles ontem. Mas a ONU estima que mais de 300 pessoas já morreram.

Os protestos se repetiram em outros pontos do país. Na Alexandria, a segunda maior cidade egípcia, manifestantes agitavam bandeiras pedindo a saída de Mubarak. Os manifestantes se reuniram ainda em Suez, Ismailiya e Port Said, a leste do Cairo, e em cidades do Delta do Nilo, como Mansoura, Damanhour e Qalyoubia. No sul, protestos foram vistos em Aswan.