Título: EUA temem posicionamento anti-Israel
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 08/02/2011, O Mundo, p. 24

Postura historicamente antissemita do grupo poderia ameaçar acordo de paz

Nos últimos dez anos a palavra islamismo se tornou para muita gente, em especial nos Estados Unidos e Israel, sinônimo de terrorismo. Por isso, não surpreende o fato de que autoridades do governo americano ¿ e também de países europeus ¿ tenham se mostrado ao mesmo tempo inquietas e cautelosas com a constatação de que, para o processo de transição no Egito ser realmente democrático e legítimo, terá que contar com a participação da Irmandade Muçulmana, criada ali em 1928 e banida da vida política desde 1952.

O fator que causa calafrios político-diplomáticos vai além da dúvida se a Irmandade, de fato, renunciou à violência definitivamente ¿ embora desde quando isso foi anunciado, nos anos 70, o grupo tenha mantido a sua palavra. A preocupação maior é a de que, uma vez participando da vida política do Egito, a Irmandade passe a criar dificuldades para a política americana devido à sua profunda hostilidade a Israel. Para o governo israelense, a declaração de não violência seria apenas uma fachada: não passaria de uma tática de um grupo antissemita aguardando o melhor momento para agir.

Bin Laden criticou postura mansa da Irmandade

Bruce Riedel, que chefiava o setor do Egito na CIA, a agência americana de inteligência quando Hosni Mubarak chegou ao poder em 1981, e hoje é pesquisador do Centro Saban para a Política do Oriente Médio, da Brookings Institution, em Washington, acha que a Casa Branca e o Congresso dos EUA vão ter que aprender a conviver com essa entidade que, por muitos anos, foi mencionada por eles como um bicho-papão que pairava como uma ameaça radical. Segundo o analista, não se deve ser complacente com aquela entidade mas, tampouco, entrar em pânico:

¿ O presidente (Barack) Obama e a secretária (de Estado, Hillary) Clinton não devem temer a Irmandade Muçulmana. Não será fácil viver com ela, mas não se deve vê-la como um inimigo inevitável. Não precisamos demonizá-la e tampouco endossá-la ¿ sugeriu.

As estimativas são as de que a Irmandade teria o apoio de 20% do eleitorado egípcio. Proibida de participar da vida política do país, ela utilizou o subterfúgio de estar presente nela através de parlamentares que se candidatavam como independentes. Isso aconteceu até o ano passado, quando seus representantes boicotaram o segundo turno das eleições, devido às denúncias de fraude.

A insistência da Irmandade em entrar no jogo democrático a tornou inimiga declarada da al-Qaeda. Osama bin Laden chegou a classificar o grupo como ¿muito manso¿ e ¿um instrumento a serviço de Mubarak e dos EUA¿. Agora, diante da perspectiva de uma abertura, os líderes da Irmandade afirmam que o seu objetivo é o de fazer com que o Egito siga o modelo da Turquia: um Estado laico mas com um partido islâmico moderado no governo.