Título: O fenômeno da migração do crime
Autor:
Fonte: O Globo, 09/02/2011, Opinião, p. 6

Contabilizados os bons resultados dos indicadores da violência nos estados do Rio e de São Paulo, que fecharam o ano de 2010 com os índices de homicídio e outros crimes em queda, constata-se que a segurança pública no Nordeste caminha em perigosa contramão. À exceção de Pernambuco, onde se juntaram vontade política de enfrentar a criminalidade, mais recursos e investimento em ações policiais de inteligência, os demais estados da região apresentam preocupantes estatísticas dando conta da falência do modelo de combate ao crime.

Pesquisa da Universidade Federal de Campina Grande (PB) mostra que na última década houve um crescimento linear do número de assassinatos. A Bahia detém um mórbido recorde: entre 2006 e 2010, o aumento dos casos de morte com dolo foi da ordem de 50,72%. Na Paraíba, a taxa de homicídios subiu 158% entre 2001 e 2009. A curva se mantém ascendente em Alagoas (acréscimo de 11% no total de óbitos não naturais de 2009 para 2010), no Piauí (aumento de 203% entre 1996 e 2008), no Ceará (122%), no Rio Grande do Norte (178%), em Sergipe (134%) e no Maranhão (mais 242%) no mesmo período. Por município, a marca mais tenebrosa fica com a minúscula cidade de Bayeux, de apenas 96 mil habitantes, na região metropolitana de João Pessoa: ali, chega-se a uma relação de 83 homicídios por cem mil habitantes. A Organização Mundial de Saúde considera aceitável um patamar de 10/100 mil. Para a OMS, acima disso a violência passa a ser epidêmica.

Os números, em si, evidenciam que são imensas as demandas a serem contornadas regionalmente pelos governos locais, de modo a, a exemplo do Rio de Janeiro e de São Paulo, alterar o curso das respectivas curvas de criminalidade. E também chamam atenção para um fenômeno que não poupa sequer os bem-sucedidos programas fluminense e paulista de segurança pública - a migração da violência.

Trata-se de fenômeno previsível. Em razão das ações de sufocamento da criminalidade nos grandes centros, os bandidos buscam refúgio - e obviamente novas áreas de atuação - em regiões onde o aparato de segurança é menos eficiente. Esse caminho pode ser desenhado tanto no eixo Rio-São Paulo (onde, à redução dos índices de crimes na região metropolitana, correspondeu, ainda que em proporções menores, o incremento da violência em municípios do interior, caso de São Paulo) como no Nordeste e em outras regiões. De tal quadro resulta a evidência de que o combate ao crime pressupõe o recurso a uma política em que os organismos federais de segurança estejam integrados aos congêneres regionais. O bandido que escapa de um cerco policial numa favela do Rio precisa ser capturado, mesmo que se tenha refugiado fora do alcance da polícia de seu estado. Tal seria o complemento das operações que visam a asfixiar o crime em suas áreas de origem. Ações de inclusão do poder público em bolsões de violência, invariavelmente ocupados pelas faixas de menor poder aquisitivo da sociedade, também são fundamentais no combate ao crime, bem como a melhoria das condições de trabalho do aparato policial. Sobretudo, as operações na área de segurança pública em todo o país devem ser a expressão de uma política de Estado, portanto estratégicas, em vez de conjunturais ações de governo.