Título: A vida real do PAC é bem mais complicada
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Fonte: O Globo, 09/02/2011, Opinião, p. 6

O PAC, Plano de Aceleração do Crescimento, já nasceu, no início do segundo mandato de Lula, como instrumento de política eleitoral. Mas não era, e nem é, um projeto equivocado. Longe disso, pois grave deficiência nos gastos públicos no país é a baixa prioridade dada aos investimentos em infraestrutura. Logo, o PAC em si tem sólida sustentação técnica. A sua utilização como instrumento de campanha, no entanto, faz o programa às vezes ser atacado de forma feroz devido às paixões políticas, como também leva o governo a defendê-lo como se fosse uma ação irretocável, sem falhas.Também longe disso.

Nesta questão do PAC, tema polêmico, o indicado é visitar os próprios canteiros de obras do programa. É o que O GLOBO fez na Região Metropolitana carioca e na Baixada Fluminense, numa reportagem editada no domingo passado. O quadro descrito preocupa, e está coerente com relatório do governo federal de balanço do programa no período de 2007 ao ano passado: apenas 3,8% dos investimentos em infraestrutura social programados para essas áreas do Rio de Janeiro foram concluídos. Incluem-se aqui obras de saneamento básico, pavimentação de ruas, drenagens e outras ações contra enchentes, além de habitação.

Há de tudo: conjunto habitacional abandonado há sete meses, em Belford Roxo, Baixada; oito bairros em Nova Iguaçu, mesma região, também com obras de pavimentação e saneamento paralisadas; enquanto o esgoto, em alguns locais, continua a céu aberto. Já em Niterói as melhorias anunciadas para o bairro Capim Melado ainda não saíram do papel. O Ministério das Cidades justifica o atraso pela "reformulação" de projetos. Além desses problemas, digamos, técnicos, há os desvios de verbas e outras irregularidades, a serem investigadas pelo Ministério Público e, espera-se, pela Controladoria-Geral da União (CGU).

A Funasa, Fundação Nacional de Saúde, com 58 ações no estado, culpa a baixa qualidade dos projetos municipais pelos atrasos. De fato, poucas prefeituras parecem estar preparadas para definir e detalhar tecnicamente os investimentos em infraestrutura do PAC. Mas, se esta é a realidade do Rio de Janeiro, o que deve acontecer no interior de estados do Norte e do Nordeste? A missão da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, herdeira do PAC, é bem mais complexa do que apenas "fazer mais com menos" - por sua vez, já uma conquista invejável. O Estado carrega uma proverbial incompetência administrativa, agravada nos últimos anos pela absoluta despreocupação com a melhoria gerencial da máquina pública. A prioridade foi a concessão de aumentos generosos de salários ao funcionalismo, sem qualquer cuidado com a criação de mecanismos sérios de estímulo à competência profissional.

Na Federação, até hoje se paga o preço da multiplicação exagerada de municípios, ocorrida após promulgada a Constituição em 1988, e ditada por interesses políticos regionais. O resultado é a existência de incontáveis prefeituras que, para funcionar minimamente, dependem dos fundos de participação. Fazer projetos e administrar a execução deles, nem pensar. O PAC parece ter caído no atoleiro chamado Brasil.