Título: Após incêndio, a hora do empurra-empurra
Autor: Vasconcellos, Fábio; Galdo, Rafael
Fonte: O Globo, 09/02/2011, Rio, p. 12
Prefeitura e Liga discordam sobre responsabilidade pela manutenção da Cidade do Samba
A escolha da rainha de bateria e as notas baixas de um jurado costumam ser, ano após ano, os principais motivos da troca de farpas e acusações no carnaval carioca. Mas o incêndio que destruiu quase totalmente o barracão de três escolas, anteontem, trouxe um novo componente para atravessar a harmonia da maior festa carioca: Corpo de Bombeiros, prefeitura, Liesa e as agremiações atingidas iniciaram um jogo de empurra-empurra na hora de assumir de quem é a responsabilidade sobre o incêndio e pelas possíveis falhas no combate às chamas. Enquanto o laudo da perícia não sai, até agora, de concreto só há mesmo as cinzas a que foram reduzidos carros e fantasias.
Embora funcionários dos barracões prejudicados tenham afirmado, no dia da tragédia, que os sprinklers (chuveirinhos que despejam água do teto) não funcionaram, Edson Marcos, chefe da manutenção da Cidade do Samba, assegurou ontem que o sistema entrou em operação, mas não foi eficaz porque as chamas se propagaram muito rápido, em função de ventos fortes:
¿ O sistema de sprinklers entrou em funcionamento. Só que a quantidade de material estocado produziu uma grande chama, que se propagou rapidamente, principalmente por causa do vento. Por isso, o sistema não foi tão eficaz. Mas funcionou ¿ disse.
Comandante diz que sprinklers não eram automáticos
O comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Pedro Machado, por sua vez, afirmou, poucas horas após ter participado do combate às chamas, na segunda-feira, que o acionamento da bomba que irriga os sprinklers não era automático. Funcionários das escolas também afirmaram que era preciso pedir à Liga que ligasse a bomba que irrigava os equipamentos. Ontem, o diretor de carnaval da Liesa, Elmo José dos Santos, negou que as bombas sejam acionadas manualmente e disse que as denúncias são apenas especulações. Presidente da Liesa, Jorge Castanheira, também garantiu que tudo funcionou adequadamente.
Castanheira afirmou que, há cerca de cinco meses, quando houve um alarme falso de incêndio no barracão da Unidos de Vila Isabel, os chuveiros entraram em ação:
¿ As escolas até reclamavam que os sprinklers atrapalhavam o trabalho porque se acionavam sem haver fogo, molhando alegorias e fantasias. Isso aconteceu também na Grande Rio, onde o fogo numa lixeira, há alguns meses, fez o sistema disparar.
Outro ponto polêmico é a quem cabe a manutenção da Cidade do Samba. Se a bomba que abastece os sprinklers, por exemplo, estivesse de fato quebrada, quem deveria responder por isso? Para o diretor de carnaval, Elmo dos Santos, como a Cidade do Samba está na garantia, que é de cinco anos, a RioUrbe, empresa da Secretaria Municipal de Obras, é a responsável pela manutenção do espaço.
¿ Existe manutenção, e a obra ainda está na garantia. Tanto que a Delta e a RioUrbe, responsáveis pela manutenção, já estão aqui ¿ afirmou.
Segundo a prefeitura, não cabe a ela verificar quais os problemas existentes. Para o prefeito Eduardo Paes, a estrutura da Cidade do Samba é boa:
¿ A informação que tive ontem (anteontem) é que o fogo só não se alastrou para a parte debaixo da Portela e da União da Ilha porque as paredes que têm proteção contra incêndio funcionaram. Agora tem que se avaliar se houve algum problema de manutenção ou não. Até porque a prefeitura cedeu este espaço anos atrás para a Liga, que é responsável pela manutenção. Minha impressão, de quem visita muito a Cidade do Samba, é que ela é muito bem conservada, muito bem mantida, e foi uma fatalidade ¿ afirmou.
Especialista diz que equipamento bem mantido não falha
Longe das discussões sobre culpados, especialistas em prevenção de incêndios apontaram ontem possíveis erros. Para Marcelo Lima, do Comitê Brasileiro contra Incêndios, é absurdo o funcionamentos dos sprinklers depender do acionamento manual de uma bomba. Segundo ele, o equipamento é dimensionado para ser capaz de controlar o fogo em área de até 200 metros quadrados.
¿ Se depender de alguém acionar a bomba, vai levar dez minutos para ele entrar em ação. E aí as chamas não são mais controláveis. A ideia do sprinkler é manter o fogo controlado, isolado, sem se alastrar. Você deve testar o sistema semanalmente ¿ diz, acrescentando que o chuveirinho, se tiver boa manutenção, praticamente não falha. ¿ Falha se for mal projetado ou mal mantido.