Título: Aplausos às medidas, mas descrédito com a gestão
Autor: Alvarez, Regina ; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 10/02/2011, O País, p. 3

Especialistas dizem que governo acerta ao frear os gastos e defendem suspensão de reajustes salariais

SÃO PAULO. Especialistas em finanças públicas comemoraram o anúncio do governo de cortar R$50 bilhões do Orçamento de 2011, por considerarem que o setor público federal está fazendo sua parte para conter a pressão inflacionária: ao inibir seus gastos, reduz a demanda interna. Porém, expressaram algum ceticismo quanto à capacidade gerencial na execução dos cortes de custeio e quanto aos efeitos práticos na alta de preços, que segue a tendência mundial de encarecimento dos alimentos.

Para o professor de finanças públicas da FGV Ernesto Lozardo, o valor anunciado equivale a cerca de 6,5% do Orçamento, o que é um valor "expressivo".

- O anúncio indica contenção no custeio, nas contratações, concursos. Esse aperto é importante e se reflete na redução do consumo do governo, o que diminui a demanda interna. Além disso, há uma boa sintonia entre Fazenda e Banco Central, que falam a mesma linguagem. É uma boa notícia, até surpreendente. Significa que vamos crescer um pouco menos, estimo em 4,5%, mas vamos segurar a inflação. Sem esquecer que a intenção é boa, mas o governo tem grau baixo de eficiência. Ainda falta capacidade de organização - disse Lozardo.

Amir Khair, consultor em finanças públicas, também considerou saudável a "contribuição" do governo para frear a demanda interna, mas avalia que essa não é a solução, que está mais relacionada com o consumo das famílias, que representa 75% da demanda interna.

- Ao encarecer o crédito, o governo age de maneira mais eficiente. Mas é um primeiro passo. Vamos ver se o Banco Central faz o mesmo para o ciclo de redução da demanda - disse Khair. - Também é preciso lembrar que a inflação em questão passa por fora dessas medidas. É internacional e puxada pelos preços dos alimentos. Em janeiro, 67% da inflação estavam atrelados aos alimentos, bebidas e transporte. O mesmo ocorreu no primeiro quadrimestre do ano passado.

"Dizer que vai cortar emenda parlamentar é cortar vento"

Em outra vertente, o economista Raul Velloso considerou que os cortes, por enquanto, são apenas um anúncio de intenção, já que não está suficientemente claro onde serão feitos os ajustes.

- No momento, temos uma intenção, que pode ser executada ao longo do ano. Mas é preciso saber exatamente quais são os gastos primários dos quais o governo está falando. E, além disso, precisamos comparar com os gastos primários do ano passado. Dizer que vai cortar emenda parlamentar é cortar o vento. Emendas são acréscimos à proposta orçamentária original - disse Velloso.

Ele argumenta que a redução nas diárias e passagens, além de ser promessa antiga, não tem grande impacto.

- O que precisaria ser feito são medidas duríssimas, e difíceis de tomar, como, por exemplo, suspender reajustes salariais. A folha de pagamento é o maior peso. Os investimentos, por exemplo, dizem que serão mantidos, mas seriam afetados também em um ajuste fiscal - completou.