Título: Farc libertam vereador, o 1º de cinco reféns
Autor:
Fonte: O Globo, 10/02/2011, O Mundo, p. 31

Missão com apoio do Brasil continua até domingo na Colômbia. Corte rejeita recurso de ex-senadora que ajudou na operação

VILLAVICENCIO, Colômbia. Os quase dois anos de cativeiro na selva terminaram ontem para o vereador colombiano Marcos Barquero. A bordo de um helicóptero Cougar, da Força Aérea Brasileira, ele desembarcou em Villavicencio, departamento de Meta, na primeira parte de uma missão que até domingo deve trazer de volta à liberdade cinco reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Após destinar as primeiras palavras à família, Baquero deixou claro que pretende trabalhar pela libertação dos demais reféns.

- Temos que continuar trabalhando duro para que haja paz. Creio que vamos convocar uma passeata em prol dos policiais, militares e da população civil que está na selva - disse ainda a bordo do helicóptero, por telefone, à TV Caracol. - Temos que continuar trabalhando duro na libertação dos outros sequestrados.

Ao descer do helicóptero, Baquero foi recebido pela mulher, Olga Lucía Tao, e pelos dois filhos, Emmanuel e Hanssen, de 2 e 10 anos, que levavam balões vermelhos. O vereador vestia camisa branca e jeans, e aparentava boa saúde.

Para a família, uma longa espera no aeroporto

Com o símbolo do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), os dois helicópteros partiram de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, para a Colômbia na tarde de terça-feira. Às 8h40m de ontem, um deles decolou de Villavicencio, capital de Meta, centro do país, com a ex-senadora colombiana Piedad Córdoba, que liderou a missão humanitária, além de membros do CICV, da organização Colombianos e Colombianas pela Paz (CCP) e a tripulação brasileira. Segundo o CICV, a libertação ocorreu na selva.

Piedad, que tem tido papel destacado nas libertações, tuitou todos os passos da operação. "Fecharam-se as portas do helicóptero, graças ao apoio do governo do Brasil e da Cruz Vermelha. Vamos por Baquero", escreveu no microblog. Mas seu silêncio a partir do meio-dia e a longa espera deixou ansiosa a família de Baquero, que desde as 11h aguardava no aeroporto. Só por volta das 17h, o helicóptero pousou em Villavicencio.

- Vou abraçá-lo e beijá-lo muito. Sonhei com ele todos os dias em que não esteve conosco - disse Hanssen, com uma camiseta com a foto do pai e a palavra "liberdade".

Baquero, que passou um ano e sete meses no cativeiro, deverá se submeter a exames médicos. Aos 35 anos, ele é considerado tímido e inteligente. Sem dinheiro para a faculdade, formou-se em técnicas pecuárias através do ensino à distância. O vereador foi sequestrado pelas Farc no dia 28 de junho de 2009, dia em que guerrilheiros atacaram com tiros e explosivos uma caravana de políticos que viajava por uma estrada perto de San José del Guaviare. Na época, Baquero era o presidente da Câmara de Vereadores.

A operação de libertação dos cinco reféns continua na sexta-feira, quando serão recebidos na cidade de Florencia, capital de Caquetá, sul do país, o vereador Armando Acuña e o militar da Marinha Henry López Martínez. Segue no domingo com a chegada a Ibagué, capital de Tolima, centro da Colômbia, do major da polícia Guillermo Solórzano e do cabo do Exército Salín Sanmiguel. Os cinco deverão ser recebidos pelo presidente Juan Manuel Santos em Bogotá, no domingo.

As Farc haviam anunciado em dezembro passado que entregariam os cinco reféns sem condições "como um gesto de boa vontade" à Piedad, que perdeu o mandato por ligações com a guerrilha. Com a libertação, restam 16 policiais e militares do grupo que as Farc querem trocar por guerrilheiros presos.

A libertação aconteceu no mesmo dia em que a Corte Suprema de Justiça rejeitou um recurso de Piedad, que perdeu o direito de ocupar cargos públicos por 18 anos. A Corte entendeu que não era a instância para o apelo. Figura polêmica no meio político e admirada pelas famílias dos reféns, ela perdeu sua cadeira no Congresso "por promover e colaborar com as Farc", segundo o procurador-geral Alejandro Ordóñez.

Para Ordóñez, Piedad extrapolou suas funções durante a gestão da libertação de sequestrados. Como prova, ele apresentou emails do falecido porta-voz das Farc Raúl Reyes em que ela era citada por meio de pseudônimos.

Piedad deve recorrer a Conselho do Estado

Esse era o segundo recurso. Em 15 de dezembro, ela já havia apelado ao Tribunal Superior de Bogotá, que decidiu respeitar o parecer do Ministério Público. Com a decisão da Corte Suprema, Piedad vai depender agora de um outro recurso junto ao Conselho do Estado - um dos quatro altos tribunais do país.

O governo acolheu as libertações, mas reiterou que as Farc devem entregar todos os reféns e cessar os ataques "se deseja pensar na possibilidade de diálogo". No Twitter, Piedad agradeceu a ajuda brasileira e disse esperar que no meio do ano todos os sequestrados estejam livres. O governo exige ainda o fim do uso de minas terrestres e a liberação de menores de idade, usados como soldados.

- Não bastam palavras, não bastam comunicados. Precisamos de ações reais de paz - disse o vice-presidente Angelino Garzón.

O atual número de reféns em poder das Farc é incerto, já que muitos consideram os jovens arregimentados à força como reféns - além dos sequestros de motivação econômica. Desde janeiro de 2008, a guerrilha já libertou 14 sequestrados. Outros 17 foram resgatados em operações do Exército, entre eles a ex-senadora Ingrid Betancourt, diminuindo o poder de barganha do grupo. Além disso, as Farc se encontram debilitadas, após anos de fortes combates que empurraram cada vez mais a guerrilha para o interior da selva a morte e a captura e morte de líderes como Manuel Marulanda, Raúl Reyes e Mono Jojoy.