Título: Frustração aprofunda crise no Egito
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Fonte: O Globo, 11/02/2011, Opinião, p. 6

O esperado pronunciamento do ditador Hosni Mubarak aos egípcios, no 17º dia de protestos, foi uma decepção. Criou-se ao longo do dia enorme expectativa de que, finalmente, ele anunciaria sua saída do poder após 30 anos. Mas tampouco havia certeza disso. Um "comunicado número 1" do Exército, dando conta de que começara a tomar "medidas necessárias para proteger a nação e apoiar as demandas legítimas do povo", criou dúvidas sobre o papel dos militares. O que se configurou, afinal, foi mais uma manobra política do ditador, que anunciou transferência de poder ao vice-presidente Omar Suleiman, de sua total confiança, mas sem deixar o cargo.

O pronunciamento de Mubarak caiu como um balde de água fria nos milhares de egípcios concentrados, há mais de duas semanas, na Praça Tahrir, no centro do Cairo. Solene e ditador, ele falou como "protetor do Egito", deu a entender que continuará no cargo até as eleições de setembro, disse que as mortes de manifestantes "não foram em vão", como se não fosse sua polícia que os matou, e anunciou algumas migalhas como grandes concessões, deixando dúvidas no ar: seria ele um lunático que ainda não entendeu que seu tempo acabou? Seria cínico para fingir que quase nada está acontecendo? Seria corajoso a ponto de arriscar a vida, já que o discurso provocou frustração, indignação e fúria na Praça Tahrir? Ou ainda teria firme apoio dos militares para resistir?

Mubarak disse aos egípcios que o diálogo nacional já começou, como se ele o estivesse presidindo. De concreto, afirmou estar propondo a revogação de artigos da Constituição. O de número 76 limita o número de candidatos habilitados a concorrer às eleições presidenciais de setembro. O 77 permite ao presidente se reeleger indefinidamente. Outros cinco artigos de caráter totalitário seriam revogados.

A princípio, a intervenção de Mubarak parece tornar muito mais difícil uma transição "ordeira e pacífica" para a democracia no Egito, como a que, horas antes, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmara apoiar. Em primeiro lugar, é difícil prever que reação poderão ter, nos próximos dias, as centenas de milhares de manifestantes que exigem a renúncia do ditador para iniciar um processo de transição política para uma nova era, com um governo o mais democrático possível.

Continua uma grande incógnita o comportamento dos militares: apoiarão a transição com o ditador no poder; darão respaldo aos manifestantes se houver uma intensificação dos protestos; darão um golpe; ou nenhuma das hipóteses anteriores?

A frustração diante da teimosia do presidente, que se aferra ao poder, não se limitou à Praça Tahrir ou ao resto do Egito, mas correu mundo. Não deixará de aumentar a preocupação, em Washington, por exemplo, com o que poderá vir pela frente. Mubarak arrisca tudo para ganhar tempo, complicando o que se espera ainda possa ser uma transição pacífica para um governo democrático num país muçulmano. Afinal, a Turquia vem provando que isso é possível.