Título: Cortando cabeças do crime
Autor: Werneck, Antônio ; Costa, Célia
Fonte: O Globo, 12/02/2011, Rio, p. 18

FAXINA NA POLÍCIA

Depois de mais de um ano de investigação, com centenas de horas de ligações telefônicas grampeadas, filmagens e depoimentos de testemunhas, a Polícia Federal do Rio deflagrou na manhã de ontem a Operação Guilhotina, para prender policiais civis e militares acusados de corrupção, participação em milícia e venda de proteção a traficantes e bicheiros. A lista de acusações inclui ainda saquear bens de bandidos e moradores durante a operação para pacificar o Complexo do Alemão. O chefe da Polícia Civil, delegado Allan Turnowski, citado por uma testemunha, foi convocado pela PF para prestar esclarecimentos. Ele nega a acusação de que estaria recebendo propina da máfia de caça-níqueis e de contrabandistas.

Até a noite de ontem, 35 pessoas - sendo um delegado, outros sete policiais civis e 19 PMs (a maioria deles já trabalhou em delegacias) - tinham sido presas na ação, que contou com o apoio da Secretaria de Segurança e do Ministério Público estadual. Ex-subchefe de Polícia, o delegado Carlos Antônio Luiz de Oliveira, um dos principais alvos, teve a prisão preventiva decretada e se apresentou à tarde na PF. À noite, foi transferido para Bangu 8.

Delegado é acusado de desvio de armas

Oliveira, até ano passado braço direito de Turnowski, é acusado de formação de quadrilha, peculato e comércio ilegal de armas. Atualmente, estava atuando como subsecretário de Operações da Secretaria Especial da Ordem Pública (Seop), da prefeitura - que já anunciou que vai exonerá-lo. O delegado é suspeito de ter vazado para o tráfico a operação que a Polícia Federal faria, em setembro de 2009, na Rocinha. Essa suspeita desencadeou as investigações, que resultaram na operação de ontem. Oliveira seria ainda responsável por apropriação e desvio de uma submetralhadora, um fuzil AR-15 e três pistolas, supostamente apreendidos pela polícia no Morro do Urubu, em Pilares.

Ainda segundo o inquérito, o delegado teria desviado também quatro fuzis, 15 pistolas e grande quantidade de munição (cerca de 40 mil projéteis) e drogas, apreendidos numa operação da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae) nos morros da Mineira (Catumbi) e de São Carlos (Estácio). Uma equipe composta por pelo menos dez policiais civis e federais vasculhou a casa de Oliveira, num condomínio em Campo Grande. Munidos de mandados de prisão e busca e apreensão, os agentes chegaram por volta das 6h15m e, depois de duas horas, saíram levando documentos e computadores.

Durante a Operação Guilhotina, policiais chegaram a fechar, por duas horas, a 22ª DP (Penha) e a 17ª DP (São Cristóvão). A delegacia titular da 22ª DP, Márcia Becker, foi levada para a sede da PF, na Praça Mauá. Isso porque, enquanto os agentes procuravam armas e munição na delegacia, ela teria recebido, segundo policiais federais, um telefonema do inspetor Christiano Gaspar Fernandes. O inspetor trabalhava naquela unidade e era procurado pela PF .

- Doutora, estão cumprindo mandados na minha casa - teria dito Christiano Fernandes.

- Aqui na delegacia também - teria respondido Márcia.

- Se perguntarem por mim, diga que estou de férias - ele teria pedido.

Segundo agentes federais, Márcia concordou e desligou o telefone.

- Estamos hoje desencadeando uma operação para tirar de circulação uma grande organização criminosa. Uma operação que só foi possível com a colaboração incondicional da Secretaria de Segurança e do Ministério Público estadual - afirmou o delegado Ângelo Gioia, superintendente da PF no Rio.

A operação começou por volta das 5h. Cerca de 380 policiais federais e 200 agentes das forças estaduais, principalmente das corregedorias, saíram com a missão de cumprir 45 mandados de prisão e 48 de busca e apreensão. Em alguns pontos do Rio, como em Ramos, policiais usaram dois helicópteros e quatro lanchas para vasculharem, por terra e mar, a Favela Roquete Pinto. Na Praia de Ramos, escavadeiras foram usadas: havia a informação que no local estariam escondidas armas e drogas. Agentes também fizeram buscas na Baía de Guanabara atrás de corpos de possíveis vítimas de milícias.

Os acusados atuariam negociando armas e munição com traficantes das favelas da Rocinha, do Vidigal e de São Carlos - recentemente ocupado para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Cada quadrilha de traficantes pagaria R$50 mil por mês a cada policial. Em troca da propina, os acusados informariam aos bandidos sobre quando haveria operações em seus redutos. O esquema protegia principalmente o traficante Antonio Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico nas favelas da Rocinha e do Vidigal e um dos bandidos mais procurados do estado.

Beltrame diz que confia em Turnowski

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, afirmou ontem que o delegado Allan Turnowski tem sua confiança e ressaltou que não vai fazer juízo de valor precipitadamente. Beltrame disse que, se ele tivesse conhecimento efetivo de ações ilícitas de Turnowski, providências já teriam sido tomadas.

- O doutor Allan goza da minha confiança. Ele está sendo ouvido aqui. Como chefe da instituição, ele teria que se manifestar. Daqui para a frente, vamos analisar (as informações) e tomar as medidas no momento oportuno - afirmou Beltrame.

O delegado Ângelo Gioia disse que foi pedida a prisão de todos os suspeitos contra os quais foram encontradas provas. Ainda de acordo com o superintendente da PF, a atuação dos policiais envolvidos com o crime é multifacetada. Beltrame ressaltou ainda que Carlos Oliveira já não estava atuando na polícia. O secretário disse também que, em todo o mundo, enquanto houver corrupção, não há mudança na polícia.

- Não vou abrir mão de qualquer tipo de parceria de quem quiser me ajudar. O problema do Rio é antigo e sério. Graças a Deus, temos encontrado parceiros e acredito ter dado respostas à sociedade. Se eu trabalhasse sozinho, prenderia nove, dez, 11 pessoas. Então eu digo que polícia nenhuma do mundo vira a página enquanto tiver em seus cargos esse tipo de gente - afirmou.