Título: Relações mais maduras com os EUA
Autor:
Fonte: O Globo, 13/02/2011, Opinião, p. 6
Há indícios que permitem otimismo cauteloso em relação à recalibragem da política externa brasileira diante dos Estados Unidos. O Brasil, como principal país da América do Sul e potência emergente, tem seus próprios interesses, que nem sempre coincidem com os do país mais poderoso das Américas e do mundo. Mas é preciso buscar um equilíbrio entre os interesses do Brasil e suas necessidades vis-à-vis os EUA. O governo Lula, com sua diplomacia companheira, privilegiou as relações Sul-Sul, de forte conteúdo antiamericano, exagerando na dose dos supostos interesses do Brasil, em detrimento de suas necessidades em relação ao mais robusto mercado do mundo. Como resultado, o país é hoje um dos poucos a ter déficit comercial com os EUA, os maiores importadores mundiais.
Recém-entrado no segundo mês, o governo Dilma Rousseff já exibe um perfil diferenciado, mais discreto, mais cuidadoso, sem expor o país a ativismos precipitados. Em relação aos acontecimentos no Egito, por exemplo, a presidente disse que o Brasil não pode ter posição sobre tudo. Alguém pode argumentar que o governo deveria se pronunciar a favor das reformas; mas é melhor o cuidado de quem ainda está arrumando a casa do que o falar por falar. Derrapagens em declarações sobre política externa podem ser desastrosas.
O mais alto funcionário americano a visitar o país no governo Dilma foi o secretário do Tesouro Timothy Geithner, que veio conversar com as autoridades brasileiras sobre reunião do G-20 esta semana em Paris. E também preparar a viagem do presidente Obama, em março. Sua visita deu margem a otimismo por ter o secretário, diplomaticamente, realçado os pontos de convergência, concluindo que os interesses do Brasil e dos EUA estão "fundamentalmente alinhados". Querendo dizer, provavelmente, que os EUA acham que a turbulência nas relações durante os dois mandatos de Lula não afetou esses interesses fundamentais, e sinalizando a disposição de elevar o diálogo a um novo patamar.
A política externa de viés esquerdista anos 60 do governo anterior procurou dar voz e peso ao Brasil em questões tão delicadas como o impasse sobre o programa nuclear do Irã e o conflito entre Israel e os palestinos. Embora de forma descalibrada, ampliou o alcance da diplomacia brasileira. Mas o fez temerariamente, ao levar o país sempre na direção oposta à dos EUA, o que denotou ingenuidade. Fez mais barulho do que demonstrou consistência.
O Brasil ganhou peso internacional pela competente condução econômica e prestígio pessoal de Lula, mas ainda não colheu os frutos da nova situação, justamente por priorizar adversários dos EUA, como Cuba, Venezuela, Irã. Não será dessa forma que Brasília terá sucesso em seu principal objetivo de política externa - um assento permanente para o país num Conselho de Segurança reformado. Sem falar na ampliação do comércio externo.
A postura aparentemente mais austera da presidente Dilma, o conhecimento do chanceler Antonio Patriota sobre os Estados Unidos, a viagem precursora do secretário Geithner e a visita do presidente Obama, em março, poderão encaminhar o país para um relacionamento mais maduro com os Estados Unidos, com vantagens evidentes para o Brasil.