Título: Para o Brasil, FMI incentivou políticas que provocaram crise financeira global
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 13/02/2011, Economia, p. 30

Governo vê crítica interna à ação do Fundo como um passo no rumo certo

O governo brasileiro, que há anos vem propondo uma ampla reforma estrutural no Fundo Monetário Internacional (FMI), está muito satisfeito com o resultado de uma devastadora investigação realizada pelo Escritório de Avaliação Independente (IEO, na sigla em inglês), agência do próprio Fundo. O estudo deixou claro que, ao não perceber a formação da crise financeira global, que estourou em 2008, o FMI acabou contribuindo para que ela fosse ainda mais grave.

Para o Brasil, a falha em identificar o aumento dos riscos que acabariam provocando o maior choque desde a Grande Depressão, nos anos 30 - conforme aponta, detalhadamente, o relatório divulgado pelo IEO na última quinta-feira -, foi apenas a ponta do iceberg. O problema, segundo Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo do Brasil no Fundo, é que, ao fracassar em sua monitoração, a entidade acabou por incentivar o prosseguimento das políticas que tinham originado a crise.

O informe revelou que, enquanto a situação se agravava, o FMI emitia boletins cor-de-rosa: "A expansão global permanecerá vigorosa", dizia um deles, em abril de 2007, revisando - para cima - as perspectivas de expansão. Em setembro de 2008, quando a situação global estava à beira do abismo, a direção do FMI informou: "O pior já ficou para trás".

- Os pecados do Fundo não foram de omissão, mas sim de disseminação ativa de uma estrutura política que acabou levando o mundo à crise - disse o executivo ao GLOBO.

Um dos aspectos da avaliação do IEO que mais chamou a atenção dele foi a referência ao fato de que o FMI não estimula em suas equipes a expressão de opiniões contrárias. A tendência, diz o estudo, tem sido a de que os economistas emitam pareceres próximos aos que são defendidos pela direção do Fundo.

Avaliação do escritório coincide com visão do país

A maioria dos que foram ouvidos durante aquele trabalho foi taxativa em afirmar que a preocupação do FMI tem sido a de adequar os resultados da monitoração da economia dos países à opinião, antecipadamente formada, pela própria diretoria da casa. "Eles disseram que as suas pesquisas e conclusões tinham de ser alinhadas com as posições do FMI".

Paulo Nogueira disse que sempre sentiu isso na própria pele, ao fazer suas intervenções tanto nos bastidores quanto nas reuniões do conselho de direção do Fundo:

- Posso dizer por experiência, porque sou frequentemente defensor de posições contrárias. E nunca, aqui dentro, fui incentivado a fazer isso. Muito pelo contrário.

Outro aspecto ressaltado na avaliação, que coincide com as posições do Brasil no FMI, é o registro de que sempre existiu na entidade uma tendência a achar que as crises se originariam nos países em desenvolvimento.

"As equipes pareciam mais à vontade em apresentar análises duras a países emergentes, confirmando a crença de algumas autoridades de que havia uma falta de imparcialidade no monitoramento", diz um trecho do relatório.

Ele mostra que, ao mesmo tempo, os economistas do Fundo não perceberam os sinais da crise pelo fato de que eles se sentem incomodados em desafiar as posições que lhes são apresentadas por autoridades dos países ricos - às vezes por pura intimidação, outras vezes porque se sentem inferiorizados pelo fato de que os bancos centrais daquelas nações contam com economistas altamente qualificados. "O FMI foi excessivamente influenciado e, às vezes, intimidado, pela reputação e perícia das autoridades. Esse é, certamente, um caso de captura intelectual", diz o IEO.

- Não há outra consequência a não ser o desastre quando preconceitos, em relação aos países em desenvolvimento, e a autocensura se tornam praticamente em artigos de fé - comentou Paulo Nogueira, referindo-se também à denúncia do IEO de que, devido à intimidação dos países avançados, muitos economistas do FMI preferem omitir criticas às suas políticas econômicas.

Para o Brasil, embora o FMI já tenha dado alguns passos no sentido de uma reforma interna, não se pode dizer que surgiu um novo FMI. A mudança de cultura arraigada ali há seis décadas deverá levar ainda um bom tempo. Na opinião do governo, o trabalho de autocrítica - ancorado na avaliação que acaba de ser feita pelo IEO - precisa ser complementado por uma nova e profunda avaliação para, então, apontar os novos caminhos.

Por isso, o Brasil sugere que o IEO inicie agora uma avaliação sobre o comportamento do Fundo na crise. A suspeita é que as suas intervenções para aplacá-la foram tão desastrosas quanto a sua incapacidade de pressenti-la e a sua omissão inicial.