Título: Antes da fuga, 48 horas numa base militar
Autor: Higueras, Georgina
Fonte: O Globo, 13/02/2011, O Mundo, p. 38

Ditador escapou de helicóptero, junto com a família, para o balneário de Sharm el Sheikh, na Península do Sinai

CAIRO. Quando os manifestantes calaram seus gritos para escutar as preces das mesquitas, nada indicava que num dos helicópteros que cruzavam o céu do Cairo no fim do dia fugia o odiado faraó. Hosni Mubarak foi, junto com a sua família, para Sharm el Sheikh, às margens do Mar Vermelho, no extremo sul da Península do Sinai.

Pouco depois de aterrissar nesse enclave onde gostava de realizar seus encontros internacionais e entreter mandatários estrangeiros, o ditador anunciou que deixava o poder nas mãos do alto comando militar do país.

Segundo o jornal governamental ¿Al Ahram¿, Mubarak passou as últimas 48 horas de seus 30 anos de governo sem oposição numa base militar onde sua segurança foi garantida. O homem que se negou a escutar as demandas de liberdade de seu povo foi impedido, pelo medo, de dormir em sua cama presidencial nas duas últimas noites de seu governo.

Acossado por um povo que se levantou, Mubarak se refugiou na península do Sinai, que ele conseguiu recuperar para o Egito em 1982, depois que o seu predecessor, Anwar Sadat, assinou a paz com o vizinho que a havia arrebatado na guerra de 1967. Talvez, o mandatário ancião, de 82 anos, acredite que vá se perder entre os milhões de turistas de Sharm el Sheikh e escapar do processo por assassinato e apropriação indevida de fundos públicos que alguns membros da oposição pretendem mover contra ele.

`Al-Arabiya¿ anunciou ida para o Sinai

Fontes militares disseram ao jornal ¿Al Ahram¿ que Mubarak permaneceu na base porque as circunstâncias não permitiam os movimentos da comitiva presidencial. Na noite de quarta-feira, o faraó se permitiu se esquivar de seu povo pela última vez.

Representando os milhões de egípcios que sonham ser donos do destino de seu país, dezenas de milhares de pessoas se reuniram na Praça Tahrir para escutar, juntas, o que se esperava fosse a mensagem de despedida do ditador. O que ouviram, no entanto, foi que ele permaneceria no cargo até as eleições de setembro. A praça explodiu em um grito de fúria: ¿Fora, fora!¿

Ontem, antes que sua fuga fosse divulgada, milhares de manifestantes marcharam até o palácio presidencial ¿ cercado por tanques e protegido pela guarda presidencial. Foi necessário esperar que Mubarak se instalasse secretamente em Sharm el Sheikh para que o vice-presidente, Omar Suleiman, lesse um breve comunicado que indicava que o faraó havia cedido o poder ao Conselho Supremo das Forças Armadas.

Nenhuma emissora de TV, nacional ou estrangeira, conseguiu captar a imagem da fuga, embora a cadeia al-Arabiya tenha sido a primeira a anunciar que Mubarak havia aterrissado em uma base ao sul do Sinai.

A mulher Suzanne e o filho Gamal foram com ele

O ex-presidente foi acompanhado, pelo menos, por sua mulher, Suzanne, e seu filho Gamal, de 47 anos. As tentativas de impor uma dinastia hereditária que consagraria Gamal como presidente por meio de eleições fraudulentas foi um dos principais estopins da revolta que acabou com as aspirações de Mubarak. No último dia 4, Gamal deixou o posto de líder do Partido Nacional Democrático, do governo, juntamente com toda a cúpula partidária. O primogênito da família, Alaa, é um próspero homem de negócios que vive no Cairo e nunca mostrou aspirações políticas.

Nascido em maio de 1928 no delta do Nilo, Mubarak entrou na Força Aérea em 1947. O ex-piloto de bombardeiros deixou a capital de helicóptero e declarou em suas duas últimas mensagens à nação que não deixará o país. ¿Morrerei em terras do Egito.¿

Com os 300 mortos contabilizados nos 18 dias de revolta, segundo a organização Human Rights Watch, parece difícil que Mubarak não seja levado à Justiça. O tempo dirá se, finalmente, escolherá o exílio para escapar de um processo.