Título: Uma multa que vale a pena
Autor: Mendes, Karla; Branco, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 29/07/2009, Economia, p. 14

Indenização milionária reivindicada por órgãos de defesa dos clientes às operadoras corre risco de ficar somente na intenção

A indenização de R$ 300 milhões prevista na ação de reparação por danos morais coletivos que órgãos de defesa do consumidor do país ingressaram ontem contra Oi/BrT e Claro por descumprimento à lei do call center (1)pode ter o mesmo destino da maioria das multas aplicadas às empresas que burlam leis, sobretudo o Código de Defesa do Consumidor: o adiamento sucessivo do pagamento até que seu efeito seja anulado. Como as operadoras recorrem até a última instância judicial, o montante será pago vários anos depois, o que faz com que a penalidade acabe se tornando um bom negócio para os infratores.

¿A vantagem econômica para a empresa compensa. Por isso, incentivamos os consumidores a fazer reclamações¿, afirma Ana Luíza Figueiredo de Carvalho, subprocuradora-regional da União na 1ª Região. ¿Não há interesse das empresas em cumprir o decreto¿, reforça. A subprocuradora se refere ao Decreto 6.523/08, que instituiu novas regras de atendimento ao cliente, que completa um ano na sexta-feira e foi o motivador da ação contra a Oi e a Claro. ¿Diante do reiterado descumprimento (do decreto), se resolveu unir todos os agentes em uma ação inédita de dano moral coletivo. É um precedente que vai nortear as ações individuais, mas o consumidor não precisa esperar o resultado disso para agir¿, observa Ana Luíza.

Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste) acredita que se as empresas fossem obrigadas a fazer um depósito caução antes de recorrer contra as multas na Justiça, as infrações à lei seriam menos reincidentes. ¿Há vários procedimentos até chegar à multa. Isso faz com que as empresas não se sintam imbuídas. Por isso, a gente entende que, nesse cenário, deveria haver uma mudança da lei, para que essas multas não se tornem inúteis¿, ressalta. ¿A multa como punição é perfeita, mas precisa dessa mudança, pois as empresas sabem que o trâmite é demorado e sabem o momento certo que têm que ir à Justiça. Elas ficam confortáveis, pois sabem que não vão pôr a mão no bolso antes do caso ser julgado¿, diz.

Atendimento

Recentemente, as agências reguladoras foram alvos de críticas, que resultaram em auditoria da Advocacia-Geral da União (AGU) porque muitas multas nem sequer são cobradas. Ricardo Morishita, diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DPDC), no entanto, ressalta que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (Sindec) faz a parte que lhe cabe. ¿A gente autua, julga, cobra a multa e encaminha o valor para a dívida ativa.¿ Para ele, o que explica o descumprimento reiterado da lei é uma crise de ¿parâmetros muito elementares¿. ¿Atender bem não é um luxo, é algo elementar. Mas quando um cliente fala que não pediu um serviço, não pode ser cobrado¿, critica. ¿Vários segmentos se adaptaram bem. Por que o setor de telefonia não se adaptou?¿, questiona. Para Morishita, é uma decisão empresarial. ¿Como uma empresa prega liderança se não garante o bem-estar do consumidor? O piso de qualquer preceito ético é cumprir a lei.¿

A mobilização do Ministério da Justiça, Ministério Público Federal, procons de diversos estados e do Distrito Federal, entidades civis de defesa do consumidor e AGU é inédita no país. Desde que as regras para agilizar o atendimento via call center aos clientes começaram a valer ¿ entre elas está a obrigatoriedade de não fazer o consumidor aguardar mais de um minuto por atendimento, e oferecer a opção de falar com atendente no primeiro menu eletrônico ¿ o setor de telefonia é responsável por 57% das reclamações. As empresas de telefonia informaram que, como não receberam notificações judiciais, não se pronunciariam sobre os processos.

1 - LIDERANÇA NEGATIVA As operadoras de telefonia lideram o ranking das de reclamações no país. Levantamento feito pelo Ministério da Justiça nos procons mostrou que essas empresas foram responsáveis por 57% das queixas de consumidores entre dezembro de 2008 e maio deste ano. Na telefonia fixa, a Oi recebeu quase 60% das reclamações. Na telefonia celular, a Claro lidera, com 31%, seguida pela TIM, com 20% das queixas. O anúncio foi feito ontem, durante balanço das novas regra dos call centers, que entraram em vigor em dezembro do ano passado. Os números mostram que a maioria das empresas não respeita a lei, o que leva o Ministério da Justiça a concluir que para elas é mais fácil e barato pagar a multa do que se adequar à legislação.

Cartões de crédito são os próximos Roosewelt Pinheiro/ABr

Depois da ação contra as operadoras de telefonia, o Ministério da Justiça atacará as empresas do setor de cartões de crédito e os bancos. A área é a segunda na quantidade de reclamações apuradas pelos órgãos de defesa do consumidor (Procons) ¿ em torno de 17% ¿ atrás das telefônicas, com participação de 57%. Esse indicativo foi dado ontem durante apresentação feita pela secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares, e pelo ministro da Justiça, Tarso Genro (foto), sobre a lei do call center. Mesmo com o processo de corte no juro básico feito pelo Banco Central, que entre janeiro e julho deste ano reduziu a taxa Selic de 13,75% para 8,75%, as operadoras de cartão e bancos relutam em diminuir os encargos cobrados dos consumidores, mantendo as taxas elevadas. Os juros no cartão de crédito chegam a 600% ao ano, o que torna as dívidas praticamente impagáveis, segundo mostrou relatório feito pelo Instituto brasileiro de Estudos e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec).