Título: Êxodo de tunisianos provoca crise na Itália
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Fonte: O Globo, 15/02/2011, O Mundo, p. 27
Governo declara emergência humanitária e alerta que levantes na região podem gerar até 80 mil imigrantes clandestinos
TÚNIS e LAMPEDUSA, Itália. A chegada na última semana de mais de 4.000 imigrantes tunisianos clandestinos na ilha siciliana de Lampedusa ¿ qualificada pelo ministro do Interior italiano de ¿êxodo bíblico¿ ¿ provocou ontem atritos entre Roma, Túnis e a União Europeia (UE). Declarando estado de emergência humanitária, a Itália reclamou que a UE abandonara o país sozinho diante da crise e pediu ao bloco uma alocação de 100 milhões para tentar contornar a situação em Lampedusa. Por outro lado, a Tunísia se negou a receber policiais italianos que o governo de Roma queria enviar para tentar impedir as pessoas de emigrarem, classificando a oferta como ¿uma ingerência nas questões internas do país¿. No fim do dia, no entanto, o governo provisório de Túnis aceitou cooperar com a Itália, anunciando o envio de militares tunisianos à costa para conter a imigração clandestina ¿ realizada quase exclusivamente em barcos precários que cruzam o Mar Mediterrâneo. Cinco tunisianos morreram ontem tentando fazer a travessia.
O ministro do Interior italiano, Roberto Maroni, ligou a chegada dos milhares de imigrantes tunisianos na Itália à queda, no mês passado, do regime comandado por Zine el-Abidine Ben Ali. Durante os 23 anos em que o ditador ficou no poder, a migração clandestina à Europa era reprimida pelo governo. A lei ainda existe, mas aparentemente os tunisianos estão se aproveitando de um relativo vácuo no poder para tentar a vida em países europeus. Maroni ainda estima que seu país pode assistir à chegada de 80 mil imigrantes clandestinos nos próximos meses devido às atuais revoltas no mundo árabe.
¿ A crise nos países mediterrâneos colocam em risco a segurança do nosso país, porque com a chegada de refugiados da costa africana, há um forte risco de infiltração de terroristas ¿ afirmou Maroni. ¿ Entre os clandestinos que desembarcaram em Lampedusa, estamos certos de que há criminosos tunisianos que fugiram das prisões do país. O sistema da Tunísia está entrando em colapso.
O ministro afirmou ainda que visitará amanhã a Sicília ao lado do premier Silvio Berlusconi para tentar encontrar locais que poderão abrigar os imigrantes, e criticou a falta de apoio da UE.
¿ A Europa não está fazendo nada. Estou muito preocupado. Nós fomos deixados, como sempre, sozinhos.
As autoridades do bloco, no entanto, alegaram que já haviam oferecido ajuda, e que ela havia sido negada por Roma por ter sido considerada ¿lenta e burocrática¿. Ainda assim, a Comissão Europeia afirmou que faria ¿o seu melhor¿ para auxiliar a Itália diante da emergência. Entre as demandas italianas, está o deslocamento de forças de outros países europeus para ajudar no controle do Mediterrâneo.
Bloco europeu anuncia ajuda de 258 milhões à Tunísia
Em viagem à Tunísia para tentar acalmar a situação, a chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, anunciou um pacote de ajuda de 258 milhões ao país até 2013, dos quais 17 milhões foram concedidos imediatamente. O chanceler italiano, Franco Frattini, também devia chegar hoje ao país para discutir a situação. Diante da oferta de enviar policiais italianos para conter o fluxo de pessoas que deixam a Tunísia rumo à Europa, o governo provisório de Túnis havia mostrado sua indignação.
¿A Tunísia está fortemente interessada em preservar as relações de amizade e cooperação estabelecidas com a Itália, e a continuar a desenvolvê-las, mas estamos espantados com tal oferta¿, disse o governo, num comunicado.
Desde a quase de Ben Ali, cerca de seis mil tunisianos chegaram em barcos a Lampedusa. Apesar de a vida ter voltado praticamente ao normal desde a chamada Revolução do Jasmim ¿ com lojas, mercados e escolas reabertas ¿ o futuro ainda é uma incógnita, o que poderia explicar essa intensificação do fluxo de emigração. Gangues ligadas ao regime de Ben Ali que promoveram saques e pilhagem após a fuga do ditador à Arábia Saudita praticamente não são mais vistas. Mas muitos problemas ainda persistem.
Data das eleições ainda não foi marcada em Túnis
As eleições ¿ que devem ocorrer em cinco meses ¿ ainda não foram marcadas, e o governo provisório vem enfrentando uma onda de demissões. No domingo, o pouco popular chanceler tunisiano apresentou sua renúncia, algumas semanas após seu predecessor ¿ ligado a Ben Ali ¿ ter sido demitido junto com outros ministros ligados ao regime ou ao partido do ex-ditador, o RCD. Além disso, Mohamed Ghannouchi, que foi premier de Ben Ali e ex-membro do RCD, continua comandando o país, contrariando os pedidos dos manifestantes para que ele saísse.
Também ainda há dúvidas em relação ao papel que os islâmicos poderão ter na Tunísia. Analistas divergem sobre a possibilidade de o partido Ennahdha ¿ considerado por Ben Ali como um grupo islâmico terrorista, mas tido como moderado por especialistas ¿ se tornar uma força política importante no país.