Título: Um milhão de mulheres contra Berlusconi
Autor: Mora, Miguel
Fonte: O Globo, 14/02/2011, O Mundo, p. 26

Feministas promovem manifestações em 230 cidades italianas pedindo condenação do premier

MANIFESTAÇÃO em Milão protesta contra o tratamento dado às mulheres na imprensa e pede prisão de Berlusconi

ROMA. A multidão faz um minuto e meio de silêncio. De repente, ouve-se um grito: ¿Se não agora, quando?¿. E a Piazza del Popolo, completamente abarrotada, principalmente de mulheres, mas também de homens, explode numa só voz: ¿Agora, agora, agora!¿. O grito não foi ouvido apenas em Roma. Convocadas por diversas associações feministas, últimos redutos de um passado de mais ativismo, centenas de milhares de italianas (e italianos) saíram ontem às ruas de 230 cidades, pequenas, médias e grandes para protestar contra o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, acusado de se envolver com uma prostituta menor de idade, entre outros escândalos sexuais. A mobilização se estendeu a outros 50 lugares do mundo, como Tóquio, Madri, Atenas, Amsterdã, Nova York e Honolulu.

Em Nápoles e em Palermo, milhares de manifestantes marcharam com cartazes pedindo a renúncia de Berlusconi e gritando frases como ¿A Itália não é um bordel¿.

Em Milão, embaixo de chuva, outros milhares de manifestantes portavam xales brancos, em sinal de solidariedade com as menores. Em Roma, onde ocorreu a marcha mais numerosa, viam-se freiras, estudantes, avós com suas netas, militantes de esquerda, sindicalistas e também funcionárias públicas e acadêmicos. Não foram registrados distúrbios.

A participação nos protestos simultâneos superou um milhão de pessoas, segundo seus coordenadores, em Roma. Os manifestantes exigiram dignidade e respeito para as mulheres pediram a renúncia de Silvio Berlusconi e mostraram sua indignação com o modelo político e cultural de linha machista e patriarcal, deixando claro que muitas mulheres tampouco se sentem representadas, atualmente, pela fraca oposição.

O lema da marcha que regia o cenário rosado de Roma, na verdade, não fazia referência a Berlusconi: ¿É tempo de ser todas e todos. Queremos um país que respeite as mulheres¿. Um grupo de três mulheres mães e trabalhadoras ¿ Lina, de 53 anos, Isabella, de 64, e Mariolina, de 54 ¿ carregava um cartaz que dizia: ¿Silvio, calma, só temos inveja de não poder participar do bunga bunga¿ (nome dado às festas regadas a sexo promovidas pelo primeiro-ministro). Mas a ironia não escondia a indignação delas.

¿ Chegou o momento de dizer basta. Nossa paciência se esgotou ¿ afirmou Isabella. ¿ Nós arruinamos 60 anos de democracia e, agora, temos um país destruído, machista, sem valores ou decência.

`Este não é um protesto moralista¿, diz deputada

O clima na praça era de raiva e tristeza, mas também de esperança e de energia renovada, como se a Itália despertasse de um falso sonho de prosperidade e alegria que os canais de TV transmitem insistentemente. A sensação é de que não se trata apenas de derrubar Berlusconi, mas também de recuperar a identidade feminina esvaída pela vulgarização.

A deputada Giulia Bongiorno, do grupo político independente Futuro Liberdade, foi uma das mais aplaudidas.

¿ Não estou aqui para criticar as festas, mas para denunciar que elas se transformaram num sistema de seleção da classe dirigente. Quem se cala pode virar cúmplice. Este não é um protesto de moralistas, como alguém disse recentemente numa tentativa de esvaziar nosso movimento ¿ disse a deputada.