Título: Limites fiscais no combate à miséria
Autor:
Fonte: O Globo, 16/02/2011, Opinião, p. 6

É consensual que 16 anos de execução de políticas sociais, em que se destacam a valorização do salário mínimo e a instituição de mecanismos de transferência direta de renda, têm conseguido reduzir a pobreza nas suas diversas gradações.

À margem de polêmicas sobre o uso político-eleitoral de alguns mecanismos de assistência ou relacionadas à eficiência na gestão de programas e sua dimensão, não se discute ser o combate à pobreza uma questão estratégica para a sociedade brasileira. Afinal, um dos pilares da estabilidade institucional é a redução das iniquidades. Na sequência deste ciclo tucano-petista de avanços sociais, a presidente Dilma Rousseff fixou como meta prioritária do governo acabar com a miséria, estimada em 5% da população. Estudo do Ministério do Desenvolvimento Social calcula em R$6 bilhões por ano os recursos adicionais destinados ao Bolsa Família a fim de cortar este índice para 2%. Se a injeção de dinheiro novo chegar a R$10 bilhões, a faixa de pobreza absoluta minguará para 1%; e a miséria será, enfim, eliminada caso o orçamento anual do Bolsa Família dobre para R$28 bilhões. A empreitada é louvável, e, hoje, mantida a estabilidade econômica durante os últimos quatro governos, parece factível. Não fosse, ainda, justificada por princípios éticos, porque não se pode admitir a existência de famílias em condições de vida aquém do tolerável.

O ponto-chave a debater é a oportunidade da aceleração dos gastos com o Bolsa Família, por mais justificável que seja a extirpação da miséria. Se de um lado há sólidos argumentos nos planos ético, social e político a favor deste ataque final à pobreza extrema, de outro existem não menos concretos constrangimentos macroeconômicos, de origem fiscal.

É impossível fingir que não existe a pesada herança de um Orçamento estrangulado por gastos em custeio bastante inflados nos últimos dois anos, sem dar qualquer grande margem de manobra para o administrador aumentar os ainda escassos investimentos em infraestrutura e destinar o que a Educação exige - para citar duas áreas em que há extrema carência de recursos públicos. A causa deste estrangulamento - a expansão desmesurada de gastos públicos correntes - acelerou a inflação e a tendência de déficit nas contas correntes do balanço de pagamentos. Daí a proposta de corte orçamentário de R$50 bilhões este ano e a luta do governo, talvez a ser definida hoje no Congresso, para fazer valer o acordo em torno do reajuste do salário mínimo, firmado com os próprios sindicatos, e pelo qual o rendimento de base terá este ano apenas a reposição da inflação, pois houve recessão em 2009. Tudo muito lógico.

Imaginar que, nesta conjuntura, se pode ampliar o Bolsa Família, até mesmo duplicá-lo, é ir na contramão da realidade. O melhor a fazer é abrir, de uma vez por todas, as tais "portas de saída" do Bolsa Família, ações educacionais e de treinamento para que beneficiários do programa possam entrar no mercado de trabalho e se emancipar da tutela do Estado. Mesmo que houvesse abundância de recursos, este seria o melhor caminho. Feita esta reciclagem no Bolsa Família, haverá, inclusive, condições de focar as famílias situadas abaixo do nível de pobreza, sem agravar a questão dos excessivos gastos em custeio. Os quais são a maior ameaça a qualquer política social, por estimular a inflação.