Título: Combustível mais barato e poluente
Autor: Ordoñez, Ramonae; Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 16/02/2011, Economia, p. 21

Álcool encarece e tem queda de 8,5% nas vendas em 2010. Consumo de gasolina sobe 17,5%

O etanol, o combustível verde renovável, menos poluente e teoricamente mais barato, perdeu feio no ano passado para seu concorrente, a gasolina: em 2010, o consumo de álcool hidratado (o tipo usado nos automóveis e vendido diretamente nas bombas) foi de 15 bilhões de litros, volume 8,5% menor que os 16,4 bilhões de 2009. Essa foi a primeira redução na demanda por álcool desde 2003, segundo dados divulgados ontem pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ao mesmo tempo, o consumo de gasolina cresceu 17,5%, chegando a 29,8 bilhões de litros. O consumo total de combustíveis no ano passado avançou 8,4%, bem acima dos 2,7% registrados em 2009, quando o país sofreu uma recessão.

Segundo o diretor da área de Abastecimento da ANP, Allan Kardec Duailibe, a forte queda do consumo de álcool se deveu, principalmente a dois fatores: aos preços mais altos do etanol e à maior presença, no mercado nacional, de veículos importados, movidos apenas a gasolina.

O preço do álcool subiu 4,36% em 2010, segundo o IBGE, contra 0,6% da gasolina. E o álcool continua pouco competitivo neste início de 2011: o preço médio do litro nas bombas do Rio está em R$2,052, contra R$2,662 da gasolina. Para ser vantajoso nos carros flex, é preciso que o litro do álcool custe menos de 70% da gasolina. Hoje, a relação está em 77%. A safra da cana-de-açúcar começa em abril mas, de acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), os preços do álcool devem ficar estáveis este ano.

Segundo o diretor da ANP, com os preços do açúcar em alta no mercado internacional, as usinas desviaram parte da sua produção de cana para essa finalidade, em detrimento do álcool:

- Tivemos uma demanda maior de açúcar no mercado internacional. Na Índia, a demanda é maior já pelo segundo ano por conta da seca.

Cresceu importação de carros a gasolina

Em 2009 o consumo de álcool hidratado tinha registrado crescimento de 23,9% , enquanto o consumo de gasolina avançara apenas 0,9%.

O diretor destacou que o aumento das importações de carros influenciou o maior consumo de álcool em 2010. Quase todos os veículos produzidos no Brasil hoje são flex. Mas os importados só consomem gasolina e suas vendas cresceram 31%, enquanto nos carros flex a alta foi de 6,9%.

O consumo de óleo diesel subiu 11,2%, para 49,2 bilhões de litros, e o do QAV, combustível de aviação, 11,5%. O crescimento total de 8,4% no ano passado superou as previsões da própria ANP, que esperava um aumento da ordem de 7%.

Antônio de Pádua Rodrigues, diretor-técnico da Unica, minimizou a queda do consumo do etanol. Ele diz que, na soma do álcool hidratado (vendido diretamente nas bombas) com o anidro (que é o tipo misturado à gasolina), o consumo do somou 22,2 bilhões de litros, um pouco menos que os 22,7 bilhões da gasolina pura. Segundo ele, metade do consumo dos carros de passeio ainda é etanol. Ele disse que o grande problema do setor é a falta de planejamento e de estratégias para incentivar a plantação de cana:

- Nenhum produtor vai deixar de produzir açúcar, que dá um rendimento maior, para fazer etanol. Temos que aumentar a produção, dar condições para os produtores aproveitarem ao máximo o mercado mundial de açúcar e o mercado de etanol.

Pádua afirmou ainda que a melhor forma de incentivar a produção é tornar os preços competitivos para o consumidor e garantir uma boa remuneração ao produtor. Ele cita como exemplo os estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, que têm tarifas de ICMS diferenciadas entre os combustíveis, tornando a gasolina mais cara.

-- Tirando estes estados, no resto do país o ano de 2011 será muito parecido com 2010, teremos menos volatilidade, inclusive em preços. Vamos produzir neste ano entre 15 bilhões e 16 bilhões de litros de etanol hidratado (quantia similar à de 2010), ou seja, perderemos mercado, já que o consumo de combustíveis vai continuar crescendo - disse, indicando que, na maior parte do ano, o preço do etanol deve ficar pouco competitivo em relação à gasolina.

Sérgio Besserman, presidente da Câmera de Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro, afirma que os números da ANP mostram que não é apenas com o discurso ecológico que os consumidores mudam seu comportamento, reforçando que o preço é a principal variável na hora de decidir a compra:

- Precisamos repensar o preço relativo de alguns produtos por causa da sustentabilidade. E melhorar o planejamento no Brasil, que não deve ser feito olhando apenas a oferta, mas também a demanda.

Para Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/UFRJ, a comunidade internacional vai cobrar este resultado do Brasil, que se apresenta no exterior como país com forte consumo de combustíveis renováveis. Mas ele lembra que, mesmo com a queda nas vendas de álcool em 2010, o país se mantém na liderança mundial de uso do etanol.

O consumidor Emerson Neto abasteceu o carro da empresa onde trabalha ontem com etanol:

- Eu sei que a gasolina compensa mesmo com o preço do litro mais caro, mas o valor da nota fica menor - explicou.