Título: Mártir disputado no Irã
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Fonte: O Globo, 17/02/2011, O Mundo, p. 28
Governo e oposição se enfrentam em funeral reivindicando para si estudante morto em protesto
TEERÃ
Mais do que confrontos renovados entre opositores e as forças de segurança, o enterro do estudante curdo Sane Zhaleh, baleado nos protestos de segunda-feira na capital iraniana, transformou-se ontem no palco de uma batalha de marketing entre o governo de Mahmoud Ahmadinejad e o chamado Movimento Verde. Além de trocarem acusações sobre a responsabilidade pela morte do estudante de Arte da Universidade de Teerã, governo e oposição disputam o crédito partidário da vítima: para os colegas, Zahleh, transformado em mártir, era filiado aos verdes, mas ativistas pró--governo insistiam em classificá-lo como integrante da milícia Basijj.
Apelando à mesma estratégia da oposição, o governo também anunciou a realização de um megaprotesto em Teerã contra ¿a oposição odiosa¿. Num comunicado distribuído pelo Conselho de Coordenação da Propaganda Islâmica, aconselha o público a ¿destampar os ouvidos e abrir os olhos para a voz do povo¿.
¿O nobre povo do Irã vai se reunir na Praça Enghelab após as orações de sexta-feira. Os que comparecerem estarão gritando seu ódio, ira e repulsa contra os crimes selvagens e movimentos do mal dos hipócritas e seus aliados monárquicos¿, dizia o texto.
Israel alerta para navios em Suez
Os choques de ontem aconteceram tão logo o cortejo fúnebre saiu da Universidade de Teerã. Com a segurança reforçada na cidade, blogueiros relataram que ativistas pró-governo, infiltrados na multidão, cantavam ¿Morte aos Monafeghin¿, em referência a um grupo opositor posto na ilegalidade. Oficiais da polícia secreta teriam, ainda, invadido o campus, deflagrando o combate. De acordo com o site persa ¿Daneshjoo¿, dezenas de estudantes teriam sido detidos.
No campo político, mais um round da guerra de propaganda foi lançado pelo líder supremo do país, aiatolá Ali Khamenei, que voltou a defender o levante popular que derrubou o ditador Hosni Mubarak no Egito.
¿ Os jovens egípcios começaram sua ação nas mesquitas e nas orações de sexta-feira. O levante popular é atribuído à vigilância islâmica após muitos anos de humilhação da civilizada nação egípcia ¿ afirmou o aiatolá, segundo a agência estatal Irna.
Mantidos em prisão domiciliar, os líderes do Movimento Verde, Mir Hossein Moussavi e Mehdi Karroubi, seguiam atualizando os opositores através do Facebook. Segundo Karroubi, pelo menos 20 policiais invadiram o prédio onde mora para interrogar seu filho mais velho, Hossein Karroubi ¿ que já havia sido detido há três semanas. Os dois divulgaram em sites opositores e em sua página na rede social um manifesto pedindo que o governo do Irã ouça a voz do povo.
¿Não tenho medo de ameaças. (...) Vou continuar e pagar o preço que for necessário para seguir neste caminho glorioso¿, escreveu Karroubi.
A movimentação política na região não passou despercebida em Tel Aviv, onde o ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, alertou ontem para a presença de dois navios de guerra iranianos no Mar Mediterrâneo. Segundo ele, as embarcações ¿ uma fragata e um navio de abastecimento ¿ planejam passar pelo Canal de Suez e atracar na Síria, o que não ocorria desde 1979.
¿ Trata-se de uma provocação que comprova que a autoconfiança e a empáfia iranianas aumentam a cada dia. A comunidade internacional deve entender que Israel não pode ignorar para sempre essas provocações ¿ afirmou o chanceler.
A informação, no entanto, não foi confirmada oficialmente por Teerã ou mesmo pelo governo de Damasco.