Título: Maconha invade áreas da Floresta Amazônica
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 20/02/2011, O Pais, p. 14

PARAGOMINAS (PA). No último maciço de Floresta Amazônica em direção ao interior do Brasil, na divisa dos estados do Pará e do Maranhão, a ilegalidade prospera e dilapida o que deveria ser um santuário ecológico. O mosaico formado pela Reserva Biológica do Gurupi (MA) --- área de preservação permanente --- e três terras indígenas é povoado por madeireiras; agora, o Ibama identificou que o plantio de maconha também ressurge na área, após anos de trégua. A reserva biológica, unidade que, em tese, deveria ser intocada, transformou-se nos últimos anos em uma imagem esburacada, em que a extração ilegal de madeira é a principal fonte de renda para centenas de trabalhadores da região.

Não é à toa que, entre os fiscais, a área é considerada um "barril de pólvora". Há quatro anos, a cidade de Buriticupu (MA), uma das principais rotas para o escoamento da madeira ilegal, foi cenário para um confronto sangrento, com uma morte e dezenas de feridos, durante operação de combate ao desmatamento. Em 2010, das 30 serrarias fiscalizadas na cidade, 80% eram clandestinas. Agora, a fiscalização identificou novos clarões de desmatamento encravados na reserva biológica.

- Naturalmente, esse deveria ser um local intocado. É o último maciço florestal, que está sendo dilapidado pelas madeireiras ilegais situadas no entorno - afirma o coordenador de Operações do Ibama, Roberto Cabral.

Apenas cinco fiscais e dez policiais protegem a reserva

Não bastasse o crime ambiental, cuja a pena varia de um a cinco anos de reclusão, o desmatamento é alimentado pela crise fundiária e pela produção de maconha.

- No Pará, o local está se transformando numa das maiores áreas para o plantio de maconha. É área de tráfico e consumo da droga. Essa é uma das regiões mais perigosas para a fiscalização - explica o superintendente substituto do Ibama no Pará, Alex Lacerda.

Apesar da tensão e da fragilidade da reserva de 272.349 hectares, apenas cinco fiscais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e dez policiais militares do Maranhão protegem permanentemente a área. Esporadicamente, o Ibama atua na região. Porém, o próprio órgão admite que não tem capacidade operacional para fazer valer a inviolabilidade da terra protegida por lei.

A grilagem escreve outro capítulo do histórico de tensão, que já propiciou situações esdrúxulas, como o acúmulo de "cinco andares" de títulos fraudulentos em uma mesma área dentro da reserva biológica, de acordo com ICMbio. Em meados de 2010, o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma), vinculado ao governo do Maranhão, ensaiou a construção de um novo assentamento no coração da área protegida, mas o projeto foi abortado logo na largada.

Para retirar as toras de maçaranduba - única espécie nobre que sobrou na reserva após a eliminação das grandes árvores de Ipê e Jatobá - os madeireiros reproduzem nas terras indígenas Caru, Awá e AltoTuriaçu os esquemas de uso de guias fraudadas que se proliferam no Pará para "esquentar" madeira ilegal. Esquemas que, em dezembro, determinaram a prisão e o indiciamento de dez pessoas, entre elas, servidores da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará (Sema). Todos foram alvos da operação Alvorecer, da Polícia Federal.

O último flagrante na Reserva Gurupi, habitat da Ararajuba - ave símbolo do Brasil -, derrubou os negócios da serraria "A Poderosa", de propriedade dos irmãos Alvarenga. Os fiscais encontraram madeira saindo da região, cujo acesso é de extrema dificuldade, com documentos que indicavam a capital Belém como ponto de origem.

- Como é que essa área de acesso terrível vai receber madeira em tora de Belém? Não tem explicação - diz Lacerda.

Indisposto para dizer o próprio sobrenome, José Cláudio é dono da Cláudio Madeiras, uma das poucas serrarias com autorização de funcionamento em Buriticupu. Apesar das evidências, ele nega que haja extração ilegal dentro da reserva e afirma que a população do município com 65 mil habitantes está sujeita a viver às custas da lavoura e do programa Bolsa Família.

- Está chovendo todo dia. Não tem como tirar madeira! Ninguém está tirando madeira da reserva. Se entrar lá, vai preso - afirma.

Entretanto, sob anonimato, um comerciante da cidade conta uma história diferente.

- A pressão é muito grande. Não tem emprego e o pessoal vai para cima de reserva mesmo - revela.

O método para driblar a fiscalização precária é esvaziar o pátio das madereiras e esconder as toras dentro da floresta, segundo o coordenador das Unidades de Conservação do ICMbio, Paulo Carneiro. Os peões trabalham por conta e, sem o aperto dos fiscais, entregam as toras na porta das madereiras, que não firmam qualquer tipo de vínculo trabalhista.

- São produtores rurais que cortam toras e, em troca, recebem áreas para o plantio - explica Carneiro.

Por enquanto, o ICMbio só conseguiu montar uma frente para frear a extração ilegal na Reseva Gurupi. Ao sul, onde está situado o assentamento Aeroporto, do Incra, foi montado um posto fixo de fiscalização. Mas dois flancos ao norte e noroeste do da área estão escancarados para as atividades ilegais. Além de Buriticupu, o escoamento de drogas e madeira ocorre por Paragominas, Nova Esperança do Piriá e Ulianópis, no Pará.

A reportagem tentou entrar em contato com o prefeito de Buriticupu, Antônio Marcos de Oliveira, mas ele não foi encontrado na prefeitura. Os proprietários da serraria "A Poderosa" não foram localizados.