Título: Governo tem projeto para mudar a caderneta
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 20/02/2011, Economia, p. 34

BRASÍLIA. Apesar do armamento pesado usado pela equipe econômica para segurar a inflação - como a alta dos juros e um corte recorde de R$50 bilhões no Orçamento - a equipe econômica continua preocupada e tem na mira um fantasma que ainda ronda o país: a indexação. O primeiro passo para tentar acabar com esse problema será enviar ao Congresso Nacional ainda este ano uma proposta que modifica a remuneração da caderneta de poupança, fixada hoje em Taxa Referencial (TR) mais 6%.

O assunto, no entanto, é polêmico. Tanto que, em 2009, quando os juros estavam em 10,25% ao ano, com possibilidade de baixarem para um dígito, o governo ficou preocupado e apresentou uma proposta que previa a cobrança de Imposto de Renda (IR) para depósitos acima de R$50 mil. O temor era de que, num cenário de juros baixos, os investidores deixassem fundos de renda fixa para colocar seu dinheiro numa remuneração garantida, o que poderia provocar um desequilíbrio no mercado.

A ideia provocou alvoroço e a equipe econômica foi acusada de tentar prejudicar os pequenos poupadores. Com a volta das pressões inflacionárias e da alta de juros, o assunto acabou sendo deixado de lado temporariamente.

Mesmo assim, a ideia dos técnicos é tratar da remuneração da poupança ainda em 2011 para que o assunto seja amplamente discutido pela sociedade e tenha chances de avançar antes do fim do mandato da presidente Dilma Rousseff. O objetivo é dar condições ao Banco Central para reduzir juros, permitindo à economia crescer em patamares mais elevados sem ter que se preocupar com esse tipo de entrave.

A nova fórmula para a correção ainda está em estudo, mas a ideia é que ela varie de acordo com a flutuação das taxas de juros. A ideia de 2009 de cobrar IR sobre depósitos mais elevados era apenas emergencial, num momento em que não havia espaço para tratar da remuneração de fato.

- A remuneração da caderneta de poupança tem que flutuar, como ocorre com os CDBs (Certificados de Depósitos Bancários, que acompanham as taxas de juros). O país não conseguirá ter uma taxa real de juros menor que 6% ao ano se a caderneta continuar com a regra atual - afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas.

Defesa do fim de títulos corrigidos pela Selic

Para rebater os argumentos de que a caderneta é típica da população de baixa renda e que o governo estaria prejudicando esse grupo, o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, afirma que o governo precisa explicar as desvantagens de uma economia indexada:

- As pessoas sempre vão dizer que a poupança é o investimento da baixa renda. Mas o que o governo precisa dizer é que, se os aplicadores da poupança têm um ganho garantido de TR mais 6%, eles pagam mais caro em financiamentos e empréstimos por conta da Selic. É um custo-benefício.

Carlos Thadeu lembra que a poupança tem outros atrativos, como a isenção do Imposto de Renda (IR) e a garantia até R$70 mil em caso de quebra do banco.

A remuneração da poupança não é o único entrave à queda dos juros no Brasil. A equipe econômica ainda tem em sua mira outros resquícios de indexação, como contratos de dívidas de estados e municípios, além da correção do FGTS e do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Isso sem falar numa série de serviços atrelados a índices de preços: aluguéis, tarifas de transporte e telefonia.

- No resto do mundo, o reajuste dos aluguéis, por exemplo, é resultado da competição de mercado. No Brasil, que ainda tem trauma da hiperinflação, as pessoas acreditam que precisam se proteger das altas de preços. Isso só vai mudar com a maturidade da estabilidade econômica - afirma o vice-presidente da Anefac.

Em função dessa cultura da inflação, os técnicos do governo sabem que a desindexação da economia é um assunto que precisa ser atacado com cautela. No entanto, há na equipe econômica quem seja tão radical com o problema que defenda até mesmo o fim das LFTs, títulos da dívida pública corrigidos pela Taxa Selic e que respondem por mais de 30% do estoque. Com esse cenário, a dívida seria composta principalmente por papéis prefixados.

FGTS e FAT são outros casos de indexação

No caso de estados e municípios, o problema está nos custos financeiros dos contratos de renegociação de dívidas. Eles são corrigidos pelo IGP-DI mais 6%. Caso os juros fiquem muito baixos, o governo federal pode acabar tendo problemas políticos e ser pressionado a mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Existem ainda outros pontos de indexação: o FGTS, que paga uma remuneração fixa de TR mais 3% ao ano, e o FAT, que é corrigido com base na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 6% ao ano.

O salário mínimo, que é corrigido pela inflação do ano anterior e pela variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, também entra na discussão. Mas, neste caso, os técnicos defendem que se trata de uma política de valorização e que é preciso dar previsibilidade ao governo sobre esse tipo de gasto.

- O mínimo é uma faca de dois gumes. Se o reajuste ficar suscetível a pressões políticas, existe um risco grande. Neste caso, é importante que o governo possa programar seus gastos - afirma Carlos Thadeu.