Título: Repressão na Libia mata pelo menos 84
Autor:
Fonte: O Globo, 20/02/2011, O Mundo, p. 37

BEIRUTE. Quando milhares de pessoas retornaram ontem às ruas de Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia, que se transformou no epicentro do desafio às quatro décadas do regime comandado por Muamar Kadafi, ficou patente que mais um círculo letal emergiu: forças de segurança disparam contra marchas em funerais, matando mais manifestantes e criando mais funerais. A organização Human Rights Watch, baseada em Nova York, disse que 84 pessoas já morreram em três dias de protestos que sacudiram a Líbia. Médicos do hospital Aj Jala, em Benghazi, confirmaram que pelo menos mil pessoas ficaram feridas. Não se sabe como está a situação em outras cidades onde aconteceram protestos. Na capital, Trípoli, não ocorreram manifestações.

Houve mais relatos de violência ontem. E fontes da oposição estimam 200 mortos. Mas as informações, incluindo o número de vítimas, são quase impossíveis de verificar num país profundamente isolado, e que permanece quase que na totalidade fora do alcance da imprensa estrangeira. Para piorar, o governo cortou ontem quase todo o acesso à internet, bloqueando o Facebook e a al-Jazeera. A resposta do governo na Líbia destaca uma inesperada consequência dos bem-sucedidos levantes na Tunísia e no Egito, onde os protestos forçaram a saída de líderes autoritários, há décadas no poder. Na Líbia, no Iêmen e na Argélia os governos rapidamente recorreram à violência para esmagar os levantes antes que ganhem fôlego para derrubá-los.

A repressão na Líbia tem se mostrado a mais feroz de todas. O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, William Hague, disse ter recebido informes de que armas pesadas e atiradores de elite são usados contra os manifestantes. ¿O que está acontecendo é horrível e inaceitável¿, disse Hague, em nota oficial.

Ontem, milhares de pessoas protestaram em Benghazi. Por telefone, o escritor Idris Ahmed al-Agha disse ao ¿New York Times¿ que pelo menos 20 mil pessoas estavam reunidas numa manifestação. Sites da oposição que conseguiram escapar do bloqueio do governo à internet disseram à noite que forças de segurança atiraram contra pessoas que estavam em funerais de manifestantes mortos na semana passada.

¿ É tarde para o diálogo. Muito sangue foi derramado. E quanto mais brutal for a repressão, mais determinados os protestos se tornarão ¿ disse um morador de Benghazi, que pediu para não ser identificado.

A situação em Benghazi é tão precária que Kadafi despachou um de seus filhos para lá. Ele prometeu reformas, mas isso não diminuiu em nada a ira dos manifestantes. Para analistas internacionais, a crise na Líbia difere marcadamente do que acontece no Egito, na Tunísia e em outras partes do Oriente Médio. Lá, manifestantes reformistas estão enfrentando direta e violentamente os seguidores de Kadafi. Observadores esperam ansiosamente para ver se os protestos chegarão ao oeste do país e à capital, Trípoli. Até agora eles estão confinados em cidades onde o desemprego é elevado e o alcance de Kadafi mais fraco.

Há pelo menos cem brasileiros em Benghazi e 500 em toda a Líbia, a maioria funcionários de empresas, como Queiroz Galvão, Petrobras, Odebrechet e Andrade Gutierrez. O embaixador do Brasil na Líbia, George Ney de Souza Fernandes, iria a Benghazi para ver como estão os brasileiros lá.