Título: EUA buscam mudança de hábito
Autor: Godoy, Fernanda
Fonte: O Globo, 20/02/2011, O Mundo, p. 38

Opresidente dos Estados Unidos, Barack Obama, mandou na semana passada um recado aos dirigentes de países do Oriente Médio: ¿Vocês têm que tomar a dianteira das mudanças, não podem ficar para trás na curva¿. Ele mesmo corre para se reposicionar diante de uma revolução em alta velocidade. Pressionado pelos protestos na região, o governo Obama está tendo que trocar o pneu com o carro andando, realinhando em semanas uma política externa em vigor há décadas no país.

Obama mal teve tempo de respirar aliviado após o desfecho pacífico da crise no Egito, e já a repressão aos movimentos pró-democracia no Bahrein e no Iêmen voltou a colocar em xeque os interesses estratégicos dos Estados Unidos. Na terça-feira, ele usou um tom de condenação ao falar da repressão no Irã, mas não mencionou o Bahrein, um aliado crucial por ser a base da Quinta Frota americana, que opera no Golfo Pérsico, vigiando o fluxo de navios que transportam 20% do petróleo mundial.

Ali Mirsepassi, diretor do Centro de Estudos Iranianos da New York University, afirma que houve uma evolução na posição do governo dos Estados Unidos em relação ao Irã, com críticas mais claras à repressão de manifestantes do que aquelas que o governo havia emitido em 2009, nos protestos após a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Mas, na sua opinião, uma mudança ampla ainda não aconteceu.

¿ Parece haver dois pesos e duas medidas, e o mais terrível é que, com exceção de Irã e Síria, quase todos os regimes do Oriente Médio são aliados dos Estados Unidos. Acho que o coração do presidente Obama está no lugar certo, mas a estrutura diplomática americana está dividida, e ainda pensa em termos de estabilidade ¿ afirma Mirsepassi.

Maria McFarland, vice-diretora da Human Rights Watch em Washington, dedica grande parte de seu tempo a tentar convencer o governo a ser mais assertivo na defesa dos direitos humanos. Ela avalia que faltou pressão sobre o Bahrein quando o governo do rei Hamad Bin Isa al-Khalifa reprimiu violentamente protestos em agosto e setembro de 2010.

Discurso pode ser visto como hipócrita

Em dezembro, a secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que estava ¿impressionada com os avanços democráticos no Bahrein¿. Após as mortes da semana passada, Hillary ligou para as autoridades bareinistas reclamando da repressão. E na tarde de sexta-feira, Obama emitiu uma nota pedindo respeito aos direitos dos manifestantes no país.

¿ Essas situações geram muito medo em Washington, medo da instabilidade que pode se seguir à queda de aliados. Eles são muito cautelosos, mas essa abordagem é contraproducente, porque toda vez que os Estados Unidos assumem uma posição que é vista na região como um apoio a um governo repressor, isso alimenta a raiva e a hostilidade do povo ¿ diz Maria McFarland.

Mohamad Bazzi, especialista em Oriente Médio do Council on Foreign Relations, acredita que o governo Obama já tenha se recuperado das hesitações e das confusões nas mensagens dos primeiros dias da crise no Egito, mas também vê a dificuldade do governo para encontrar uma mensagem única dirigida a aliados e adversários. Para ele, o perigo de isso ser percebido como hipocrisia é enorme.

¿ Regimes que pareciam estáveis provaram não ser estáveis, e isso demanda uma reestruturação da política americana. Esse tipo de redirecionamento leva tempo, e as pessoas estão pedindo que seja feito em dias, isso é praticamente impossível ¿ diz Bazzi.

Os casos críticos no momento são o Bahrein, não apenas pela presença da base naval americana, mas pelo potencial de conflito entre sunitas e xiitas, um tema que provoca ansiedade na vizinha e poderosa Arábia Saudita, também uma monarquia sunita. Vazamentos da organização WikiLeaks mostraram que o governo do rei al-Khalifa e os Estados Unidos têm cooperado em operações antiterrorismo e no esforço para conter a expansão da influência do Irã.

`Regime do Irã vive na paranoia¿

No Iêmen, atual base de treinamento de terroristas da al-Qaeda, a cooperação com o governo local também é considerada crucial não apenas para a segurança da região como para a segurança doméstica americana, na prevenção de atentados.

Bazzi destaca que os Estados Unidos estão precisando mexer em políticas que estavam em vigor há décadas. No caso do Egito, a política de aliança vinha desde a assinatura do tratado de paz entre Egito e Israel, selado em 1979, no governo do presidente Jimmy Carter, com a promessa de que os Estados Unidos dariam um apoio econômico aos dois países. O Egito recebe US$1,5 bilhão por ano em ajuda dos Estados Unidos, a maior parte destinada a gastos militares. O fantasma de Jimmy Carter também paira sobre Barack Obama no receio de ficar marcado como o presidente que ¿perdeu o Egito¿, da mesma forma como Carter teria perdido o Irã com a revolução que levou o aiatolá Ruhollah Khomeini ao poder, em 1979.

Para William Terry, analista do Foreign Policy Research Institute, a cautela ainda é a palavra de ordem.

¿ Eles vêm experimentando, botando um dedinho na água, mas é assustador. Ao encorajar as pessoas a agirem você também pode estar precipitando algo terrível ¿ avalia Terry.

Em países onde o governo é hostil aos Estados Unidos, como o Irã e a Síria, o apoio aos movimentos pró-democracia pode ter o efeito oposto ao desejado, estimulando a paranoia e justificando o discurso contra a intervenção estrangeira.

A diretora para Oriente Médio do Centro Woodrow Wilson, Haleh Esfandiari, acredita que o governo de Barack Obama está no tom certo em relação ao Irã, e que não pode ir além do apoio moral aos manifestantes pró-democracia. Ofertas de ajuda financeira são perigosas para ambos os lados.

¿ Em 2009, se Barack Obama tivesse ido mais além, o Movimento Verde teria sido percebido como um grupo apoiado pelo exterior, algo que a liderança do movimento queria evitar. Até onde sei, nenhuma ONG iraniana que atue no país tocou nos US$75 milhões oferecidos pelo governo Bush para promover ações pró-democracia, por causa do medo. O regime iraniano tem a paranoia de que os Estados Unidos usam o dinheiro para derrubá-lo ¿ diz Haleh.

Organização defende pressão de forma conjunta

Ela sabe do que está falando quando se refere à paranoia. Em 2007, Haleh Esfandiari, então com 67 anos, foi detida ao visitar a mãe, de 93, em Teerã. Passou 105 dias na prisão de Evin, sob interrogatórios sobre sua suposta participação em um complô internacional para derrubar o regime dos aiatolás. A campanha pela libertação dela mobilizou um grupo de pessoas influentes que foi da secretária de Estado do governo Bush, Condolleezza Rice, a Noam Chomsky.

Na avaliação da organização Human Rights Watch, para evitar alimentar essa paranoia, as pressões devem ser exercidas de forma conjunta, na Organização das Nações Unidas.

¿ É importante conseguir o apoio de outros governos, incluindo o do Brasil, no Conselho de Direitos Humanos da ONU para que se possa investigar o que está acontecendo no Irã ¿ acrescenta Maria McFarland.