Título: Um mundo em busca de direitos básicos
Autor:
Fonte: O Globo, 19/02/2011, Opinião, p. 6

Há muita gente preocupada no Oriente Médio e na Península Arábica, após as revoluções no Egito e na Tunísia. Significativamente, esses senhores moram em suntuosos palácios mas, no caso de um deles, o beduíno Muamar Kadafi, ocasionalmente numa tenda. Luxuosa, por suposto. O problema para esses líderes é que o movimento pela democracia, pelos direitos individuais e pela dignidade humana, iniciado na Tunísia e no Egito, se espalha por toda a região. Num sermão para centenas de milhares de pessoas na Praça Tahrir, no Cairo, transmitido para todo o Oriente Médio, Youssef al-Qaradawi, talvez o mais influente clérigo muçulmano sunita, advertiu os dirigentes da região: "Não lutem contra a História. Não adianta. O mundo árabe mudou."

Mas o que está acontecendo é um endurecimento dos regimes ditatoriais, absolutistas e teocráticos que entraram na mira das populações que buscam seus direitos em diferentes países. No pequeno Bahrein, no Golfo Pérsico, a monarquia sunita reagiu com enorme brutalidade a protestos pacíficos por reformas e democracia. No quarto dia de manifestações, pelo menos quatro pessoas morreram e 230 ficaram feridas. Ontem, no quinto dia, os fatos se repetiram, com mais um morto e 50 feridos. O governo do Bahrein é um importante aliado dos EUA, que ali baseia sua Quinta Frota.

Dura repressão foi também o que enfrentaram os manifestantes nas ruas de várias cidades da Líbia, autoritariamente governada há 40 anos por Kadafi. Dezenas de pessoas foram mortas pelas forças de segurança. No Iêmen, país mais pobre do mundo árabe, a polícia disparou e jogou gás lacrimogêneo contra os manifestantes, que ontem - nono dia de protestos - organizaram um Dia de Fúria contra a ditadura de 32 anos de Ali Abudullah Saleh, outro aliado americano na luta contra o terror.

Os líderes desses países e de outros onde já fermentam legítimos movimentos populares pelos direitos humanos tiveram mais tempo que os de Tunísia e Egito para tentarem resistir. Mas a cada dia se tornam mais ilegítimos e ultrapassados. O que as populações desejam está inscrito, desde 10 de dezembro de 1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada naquela data na ONU. E cujo segundo artigo reza que "todas as pessoas têm direito para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição".

Tunísia e Egito estão demonstrando não haver incompatibilidade entre países árabes e democracia. O processo de transição apenas se iniciou, mas está bem encaminhado. Ficou sepultada na Revolução de Jasmim e na Praça Tahrir a noção de que o Ocidente depende de ditadores para conter o radicalismo islâmico. Surgiram novos ingredientes: jovens que desejam viver em países abertos e prósperos e que se valem, em grande parte, dos modernos instrumentos da mídia social.

"Sim, nós podemos" poderia ser o lema dessa multidão no mundo árabe (e no Irã) que sai às ruas contra o arbítrio, o atraso e a pobreza, abrindo uma nova era de esperança para povos outrora prósperos, que hoje vivem sem perspectivas. É obrigação da comunidade internacional zelar para que os valores contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos se tornem realmente universais.