Título: Crime com castigo. Pequeno
Autor: Carneiro, Lucianne; Rodrigues, Lino
Fonte: O Globo, 19/02/2011, Economia, p. 25

Executivos da Sadia são condenados por informação privilegiada. Mas cadeia é trocada por prestação de serviços

Numa decisão que marca a história da legislação do mercado de capitais no Brasil, o Ministério Público Federal (MPF) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) conseguiram ontem na Justiça Federal de São Paulo a primeira condenação penal por crime de uso de informação privilegiada (insider trading). Dois ex-funcionários da Sadia foram condenados a até um ano e nove meses de prisão, além de multa, por negociar ações no mercado americano usando informações que deveriam ser mantidas em sigilo durante oferta pública para aquisição de ações da Perdigão, em 2006. No entanto, mais uma vez no país, ninguém vai para a cadeia: as penas foram substituídas por prestação de serviços à comunidade e proibição do exercício do cargo de administrador e/ou conselheiro fiscal de companhia aberta pelo prazo de cumprimento da pena.

Os condenados foram o ex-diretor de Finanças e de Relações com Investidores da Sadia Luiz Gonzaga Murat Júnior e o ex-integrante do Conselho de Administração da companhia Romano Ancelmo Fontana Filho. Pela decisão da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Murat foi condenado a um ano e nove meses de prisão em regime aberto, além de multa de R$349,7 mil. Já Fontana Filho foi condenado a um ano, cinco meses e 15 dias de prisão em regime aberto e multa de R$374,9 mil. Os dois já tinham sido processados administrativamente pela CVM em 2008, que aplicou pena de inabilitação temporária por cinco anos também para os cargos de administrador ou conselheiro fiscal de companhia aberta.

- A sentença é um divisor de águas na repressão aos crimes financeiros - diz o procurador da República Rodrigo de Grandis, responsável pelo caso.

Procurador e defesa vão recorrer

Na denúncia feita pelo MPF e a CVM, os executivos da Sadia são acusados de usar informações obtidas durante a negociação com a Perdigão para comprar American Depositary Receipts (ADRs, espécie de recibos de ações brasileiras, negociados na Bolsa de Nova York) da Perdigão. Depois, revenderam os papéis com lucros, que, segundo a CVM, chegaram a US$197 mil. O negócio acabou sendo recusado pelos acionistas da Perdigão. Três anos depois, em 2009, depois de enfrentar problemas financeiros, a Sadia é que foi comprada pela Perdigão, dando origem à Brasil Foods.

O procurador disse que vai recorrer para aumentar a pena de Murat para dois anos. Ele também vai pedir que a decisão que negou o pedido de indenização por dano moral coletivo seja revista pelos desembargadores do tribunal. Grandis também quer que o dinheiro das multas seja enviado para o Fundo Penitenciário e não para a CVM, que ficaria com o valor da indenização por dano coletivo.

Para o chefe da Procuradoria Federal Especializada da CVM, Alexandre Pinheiro dos Santos, a sentença é "altamente significativa e gera uma percepção de confiança no mercado":

- A decisão completa o ciclo de desestímulos a ilícitos financeiros. O insider trading fere de morte o princípio de simetria de informação no mercado.

A decisão do juiz substituto Marcelo Costenaro Cavali é a primeira desde que o uso indevido de informações privilegiadas se tornou crime, em 2001. A legislação brasileira prevê pena de um a cinco anos de prisão e multa de até três vezes o valor do ganho obtido com o uso de informações ilícitas. Atualmente, existe outro processo penal na Justiça por insider trading, que envolve seis diretores do grupo Randon, do setor de transporte de carga, acusados de se beneficiarem de informações em processos de negociação de ações da empresa.

O advogado Celso Vilardi, que defende Murat, disse que vai recorrer da sentença. Segundo ele, por ser o primeiro julgamento envolvendo insider trading, o juiz Cavali acompanhou a tendência da CVM, que já havia punido seu cliente "rigorosamente".

- Ele (Murat) já foi punido rigorosamente pela CVM em função da repercussão do caso, que contaminou a Justiça criminal - afirmou Vilardi.

Procurado pelo GLOBO, o advogado de Fontana Filho, Eduardo Reale, não retornou as ligações.

Brasil segue tendência externa

O ex-superintendente executivo de empréstimos estruturados do banco ABN Amro Alexandre Ponzio de Azevedo também foi acusado de participar das negociações com as ações da Perdigão, mas fez acordo com o Ministério Público e a CVM e teve seu processo suspenso. Em troca, vai prestar serviços a uma instituição filantrópica.

- É uma condenação importante, na qual o Brasil acompanha uma tendência internacional de proteção do mercado de capitais - apontou o sócio do Siqueira Castro Advogados João Daniel Rassi.

Marcelo Freitas, sócio no mesmo escritório, apontou que o caso Sadia chamou a atenção por envolver o diretor de Relações com Investidores da companhia, justamente o profissional responsável por zelar pela simetria de informações no mercado.