Título: Esplanada dos cabides
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 31/07/2009, Política, p. 2

Servidores sem concurso chegam a ocupar 40% dos cargos nas secretarias vinculadas à Presidência. Especialistas alertam para ineficiência das políticas públicas

Elas têm status ministerial, mas são estruturadas apenas com cargos de confiança. As secretarias especiais vinculadas à Presidência da República não possuem quadros próprios e são gerenciadas basicamente com funcionários requisitados de outros órgãos, terceirizados e pessoas nomeadas livremente, sem passar por concurso público. Os servidores sem vínculo com a administração chegam a representar mais de 40% do efetivo em algumas estruturas.

Levantamento feito pelo Correio em seis secretarias especiais revela os altos percentuais de cargos ocupados por funcionários nomeados sem concurso, chamados de ¿livre provimento¿. Na Secretaria Especial de Portos, por exemplo ¿ criada em 2007 para atender reivindicações do PSB, que herdou o comando da pasta ¿ eles representam 33,9% do efetivo total, que conta com 112 servidores. Na de Direitos Humanos, excluindo-se o número de prestadores de serviço, eles compõem 36,6% dos cargos. Na Secretaria Especial de Políticas paras as Mulheres, são responsáveis pela composição de quase metade da estrutura (40,6%). Os números estão bem acima do total acumulado no Poder Executivo, que tem 542,8 mil servidores civis ativos, dos quais 78,3 mil lotados em cargos e funções comissionadas. Ou seja, 14,5% do total, sendo que, entre esses também há servidores públicos concursados.

Para especialistas, as secretarias especiais são falhas do ponto de vista da continuidade das políticas que apregoam. ¿São estratégias que podem naufragar, pois são marcadas pela transitoriedade¿, explica o cientista político Antônio Lavareda, que elabora pesquisas para partidos de oposição.

Apesar do status, as secretarias podem ser facilmente extintas ou incorporadas a ministérios. ¿Imagine se houver alternância de poder, o que pode ocorrer em 2011, o que será feito com os funcionários?¿, questiona Lavareda. ¿Quando essas pastas são transformadas em ministério, o processo burocrático para determinar a extinção é mais complexo¿, completa David Fleischer, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

A preocupação dos especialistas ganha corpo quando se analisa a última secretaria especial promovida no governo Lula, o Ministério da Pesca e Aquicultura. Reportagem do Correio publicada na última quarta-feira mostra que o órgão, mesmo após a mudança oficial no status, continua operando com uma estrutura majoritariamente de comissionados. No projeto de lei que deu origem à criação da pasta, estava previsto outros 286 cargos. Eles serão nomeados após publicação de decreto que reordenará a estrutura do ministério. Com o reforço, a pasta passará a funcionar com 75,4% de seu pessoal nomeado sem concurso público. ¿Num quadro de queda da arrecadação, o ministério da peixada está remando contra a maré¿, critica Fleischer.

¿Toda secretaria, quer pela lógica burocrática, quer pelo interesse político, ambiciona ser promovida a ministério. Daí, cria-se esse sem número de pastas¿, sustenta Lavareda. Ele diz que ¿em democracias mais maduras se busca a profissionalização de maior parte da máquina para assegurar a continuidade das políticas públicas¿.

O secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Marcelo Viana, responsável pela fiscalização de cargos no governo, admite que estrutura das secretarias tem problemas, mas credita o excesso de comissionados à configuração política que permeiam a criação desses órgãos. ¿São estruturas mais flexíveis, que funcionam basicamente com servidores requisitados e comissionados. Até por serem vinculadas à Presidência é comum que sejam órgãos mais políticos¿, explicou. ¿Enquanto secretarias, ainda não são políticas institucionalizadas do governo.¿ No ano passado, o governo autorizou a abertura de 43 mil vagas para concursos em toda a administração.

E EU COM ISSO Algumas dessas secretarias, como a de Políticas para as Mulheres, por exemplo, recebem investimentos desde o início do governo Lula, em 2003. Responsável pela elaboração de políticas e debates importantes para os setores que se propõem a atender, podem ter trabalhos e diretrizes abandonados, por conta de mudanças durante a gestão.

Apadrinhados federais

Leia o número de cargos de confiança nas secretarias especiais

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres Total de funcionários - 64 Nomeados sem concurso - 26 (40,6%)

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial Total de funcionários - 94 Nomeados sem concurso - 28 (29,7%)

Secretaria Especial de Portos Total de funcionários - 112 Nomeados sem concurso - 38 (33,9%)

Secretaria de Assuntos Estratégicos Total de funcionários - 116 Nomeados sem concurso - 36 (31%)

Secretaria Especial dos Direitos Humanos Total de funcionários (excluídos os prestadores de serviço) - 165 Nomeados sem concurso - 60 (36,3%)

Secretaria de Imprensa e Porta Voz Não forneceu os números

Cafezinho a R$ 352

O preço de um cafezinho, tirado em máquina de expresso, foi estimado pelo Ministério da Pesca e Aquicultura em R$ 352,33. A bagatela foi divulgada em planilha de custos que serviu de referência para processo de licitação do órgão, suspenso por medida cautelar do Tribunal de Contas da União, em 1º de julho. Além do preço exorbitante de um cafezinho, o TCU apontou sobrepreço nos valores de referência de outros produtos, superestimativa de orçamento e inchaço no número de diárias. Eram cotadas 3.176, sendo que os eventos totalizariam 871 dias.

A licitação tinha como objetivo o registro de preços para ¿eventual contratação de empresa¿ especializadas em eventos. Na planilha de referência feita pelo órgão, estão previstos 4.560 cafés feitos em máquinas a R$ 352,33 cada, comprados em rede hoteleira de três e quatro estrelas, além de mais 12.000 em hotéis cinco estrelas e outros 12.000 fora da rede hoteleira. Segundo o edital de licitação, a pasta previa gastar R$ 10 milhões com a bebida.

Também em hotéis cinco estrelas, havia, no edital, a previsão da necessidade de 12 mil garrafinhas de água de 500ml a R$ 7,83, cada. Seis dias após a decisão do TCU, a pasta decidiu cancelar em definitivo a licitação. Procurado pelo Correio, o ministério justificou o cancelamento como fruto de ¿conveniência administrativa¿. A assessoria de imprensa disse ainda que o registro dos preços, objeto da licitação, não significava que os serviços seriam feitos na totalidade. O órgão também garantiu que os valores de referência foram objeto de pesquisa de preços no mercado. Os auditores do TCU encontraram o cafezinho por, no máximo, R$ 2,50, em Brasília, onde o custo de vida é um dos mais elevados do país. (DL)