Título: Manobra fiscal provoca bate-boca entre Gabrielli e ex-diretor do BC
Autor: Carneiro, Lucianne; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 22/02/2011, Economia, p. 18

Alexandre Schwartsman cita "contabilidade criativa" no cálculo do superávit

A manobra fiscal que incluiu uma receita extra da capitalização da Petrobras no cálculo do superávit primário do governo provocou ontem um bate-boca entre o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do Banco Santander, Alexandre Schwartsman, e o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, durante o seminário "Cenários da Economia Brasileira e Mundial em 2011", promovido pela Fundação Getulio Vargas e pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

Schwartsman afirmou que houve "contabilidade criativa" do governo para fechar os números do superávit e citou a receita extra de R$32 bilhões gerada pelo processo de capitalização da Petrobras. Na operação, a União cedeu à estatal o direito de exploração de cinco bilhões de barris de petróleo, em troca de ações da companhia.

Durante sua apresentação no seminário, Gabrielli rebateu o comentário, dizendo que o ex-diretor do BC tinha se referido indiretamente à questão.

- Não foi indireto não, porque é verdade - disse Schwartsman.

O presidente da Petrobras argumentou que a Petrobras recebeu R$132 bilhões pela capitalização e pagou R$74 bilhões pelos cinco bilhões de barris.

- Se isso não é caixa, eu não sei o que é caixa.

Schwartsman respondeu que "caixa é dinheiro, não é promessa". Gabrielli, por sua vez, disse que não era promessa. Foi quando Schwartsman questionou onde estava o dinheiro:

- Está no Tesouro - respondeu Gabrielli.

- Não está, não. Só na cabeça dos contadores do Tesouro - rebateu Schwartsman, seguido por risos e aplausos de parte da plateia.

Gabrielli encerrou a discussão afirmando que o "fato é que a empresa pagou R$74 bilhões".

Orçamento prevê aumento de R$64 bilhões em gastos

Em sua apresentação, Schwartsman criticou a política fiscal expansiva do governo e disse que valeu "praticamente qualquer coisa" no cálculo do superávit. Sua estimativa é de que, sem considerar a manobra contábil, a economia do governo foi de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto (soma dos bens e serviços produzidos no país). Pelos dados oficiais, o país economizou R$101,696 bilhões, ou 2,78% do PIB em 2010.

O ex-diretor do BC comentou ainda sobre o corte de R$50 bilhões anunciado no início do mês pelo governo. Na verdade, segundo ele, haverá em 2011 aumento de R$64 bilhões em gastos. Isso porque o orçamento de 2010 foi de R$655 bilhões e o de 2011, mesmo após a redução de R$50 bilhões, será de R$719 bilhões. Com isso, o gasto governamental vai passar de 17,9% do PIB em 2010 para 17,7%.

- O que estamos fazendo em política fiscal é muito pouco diante do que precisamos - disse Schwartsman, defendendo que a redução dos gastos fosse entre R$85 bilhões e R$100 bilhões, para chegar a algo entre um e 1,5 ponto percentual do PIB.

O presidente da Petrobras defendeu ontem os investimentos da estatal em refinarias afirmando que a empresa está operando no limite máximo de sua capacidade de refino de derivados de petróleo devido ao forte aumento do consumo de combustíveis. Mas ele destacou que não há riscos de problemas no abastecimento de combustíveis no país. Atualmente, há cinco refinarias já em construção ou planejadas.

- Não investir em refinarias neste momento é suicídio a longo prazo. Tem que se investir, sim, e agora - disse Gabrielli.

A previsão da Petrobras é de que em 2020 a produção de petróleo seja da ordem de 3,9 milhões de barris diários, e a capacidade de refino, de 3,2 milhões de barris por dia.