Título: Nada de recuo na responsabilidade fiscal
Autor:
Fonte: O Globo, 23/02/2011, Opinião, p. 6

A Lei de Responsabilidade Fiscal é, sem dúvidas, uma das principais mudanças institucionais sem as quais a economia brasileira dificilmente teria entrado em processo de recuperação. Por trás da inflação aguda que castigou os brasileiros por muito tempo estava a falência do setor público. Se, a seguir ao sucesso do lançamento do real, tais mudanças institucionais não tivessem sido feitas, o país não teria criado condições para controlar a inflação e assegurar a estabilidade monetária.

A estabilidade da moeda, por sua vez, alargou os horizontes para investimentos. E trouxe à tona todos os fatores que causavam desequilíbrios e estavam camuflados pela inflação galopante.

Por uma série de razões ¿ como a demanda não atendida por serviços essenciais ao bem-estar da população ¿ o setor público tem propensão a gastar, e não a poupar.

Assim, sem as amarras da Lei de Responsabilidade Fiscal, estados e municípios certamente voltariam a se endividar perigosamente.

Desde o fim de 1998, houve uma melhora considerável nos índices de solvência do setor público, mas ainda estamos muito longe da zona de conforto. Para um país que precisa aumentar expressiva e rapidamente sua poupança doméstica e viabilizar investimentos que não dependam apenas de financiamentos externos, o Brasil ainda convive com um déficit público elevado demais, principalmente se considerarmos a carga tributária recorde (36% do PIB).

União, estados e municípios têm se beneficiado de um grande aumento de arrecadação, resultado do bom momento da economia Esse acréscimo deveria ser usado para aumentar a eficiência dos entes federativos, contribuindo para a formação de um ciclo virtuoso capaz de propiciar crescimento de receita conjugado a uma carga tributária declinante (é óbvio que isso somente será possível se as despesas públicas se expandirem menos que a média do conjunto da economia).

A presidente Dilma vem deixando claro que a busca por mais produtividade é um dos grandes desafios do setor público. Nesse sentido, é elogiável sua reação, no fórum de governadores do Nordeste, ao apelo de alguns dos presentes para que a Lei de Responsabilidade Fiscal seja ¿atualizada¿. Dilma admitiu discutir operações de crédito que substituam dívidas onerosas por outras de custo mais baixo, o que permitiria alavancar a capacidade de investimentos de estados e municípios, mas sem detrimento dos compromissos, dos limites e dos princípios estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal.

A crise que se vê na União Europeia decorre do equívoco de seus membros não terem firmado regras institucionais semelhantes às da lei brasileira. Algumas limitações prevaleceram antes da adesão ao euro, mas que se mostraram frágeis a partir da circulação da moeda única. O Brasil, por sorte, se preocupou com o quadro institucional depois do lançamento do real. E certamente não chegou a hora de se revogar, rever ou diminuir os parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não foram poucos os maus exemplos nesse período, o que tem exigido de governadores empossados este ano ¿ inclusive no Nordeste ¿ ajustes fiscais rigorosos.