Título: Milhares fogem do país por fronteiras de Egito e Tunínia
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Fonte: O Globo, 23/02/2011, O Mundo, p. 32

Militares montam hospitais e permitem passagem. ONU alerta para risco de êxodo e refugiados relatam ataques

SALUM, Egito. ¿Havia gangues por todos os lados e elas apontavam as armas a qualquer momento. Não conseguíamos dormir à noite. Elas atiravam para o alto a cada 15 minutos. Levaram nosso dinheiro, levaram tudo o que tínhamos¿, contou o metalúrgico egípcio Hassan Kamel Mohamed, que acabara de fugir de Tobruk. Assim como Mohamed, milhares de estrangeiros cruzaram a fronteira ontem saindo da Líbia, apinhados em tratores, caminhões, ônibus e vans, enquanto outros tentavam atravessar em direção à Tunísia. Na bagagem, levavam os pertences que puderam carregar, além de histórias de saques, agressões e caos.

A fuga começou ontem, depois que o Egito decidiu reforçar a fronteira e ao mesmo tempo abrir uma passagem na cidade de Salum para que seus cidadãos possam deixar a Líbia. Com o sumiço dos guardas líbios nas fronteiras com o Egito e a Tunísia, a segurança passou a ser feita pelos revoltosos e o fluxo aumentou ¿ cerca de cinco mil só para Salum, no Egito. Outras dez mil aguardam a sua vez. No meio deles, centenas de líbios buscavam um lugar seguro. Dois milhões de egípcios trabalham na Líbia, e o Conselho Supremo das Forças Armadas advertiu que Cairo será responsável pela segurança dessas pessoas, depois de o filho de Muamar Kadafi, Saif al-Islam, acusar os egípcios de envolvimento nos confrontos.

Hospitais de campanha foram montados do lado egípcio da fronteira, enquanto caminhões tentavam entrar no país com suprimentos. Segundo os repatriados, Kadafi está usando tanques, caças e mercenários estrangeiros contra os manifestantes. Jornalistas esperam nas fronteiras, aguardando a chance de entrar no país.

¿ Kadafi está louco. Está havendo um massacre ¿ contou Ashraf Mohammed, um carpinteiro que trabalhava em Tobruk. ¿ Atiraram em civis e crianças.

Outros milhares estão deixando o país pela fronteira com a Tunísia. Há cerca de 30 mil tunisianos na Líbia, e o governo teme que eles possam ser alvo de ataques. O maior temor de Túnis é que os estrangeiros sejam considerados ¿inspiradores¿ da revolta, já que nessa onda de protestos o ditador Zine al-Abidine Ben Ali foi o primeiro a cair, em janeiro. Depois foi a vez de Hosni Mubarak, no Egito.

Cerca de três mil pessoas atravessaram a fronteira em Dhiba e Ben Guerdan, no sul da Tunísia, e 1.200 vão ser retiradas de avião. Muitas chegavam chorando ao aeroporto de Túnis.

¿ Nos atacaram com cassetetes no aeroporto e nos insultaram ¿ contou um tunisiano, sem se identificar.

Turcos esperam remoção, ingleses sairão em navio de guerra

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) alertou ontem para a possibilidade de um ¿êxodo significativo¿ e pediu a países vizinhos que não virem as costas aos líbios. A Itália ¿ que já recebeu um grande fluxo de tunisianos ¿ pode ser um dos destinos, lembrou o Acnur. Mas a Liga Norte ¿ partido que é um dos principais aliados do governo de Silvio Berlusconi ¿ rechaçou a ideia.

Vários países estão alertando seus cidadãos na Líbia a evitarem as ruas, ao mesmo tempo em que organizam sua saída por terra ou mar. O Egito planeja enviar oito aviões a Trípoli, mas ainda não recebeu permissão de pouso, enquanto as Filipinas ofereceram ajuda aos seus 30 mil cidadãos.

O Reino Unido vai enviar um navio de guerra, o HMS Cumberland, enquanto aguarda a permissão de pouso de aviões. Duas barcas e um navio militar da Turquia devem chegar amanhã ao porto de Benghazi, enquanto milhares de turcos estão concentrados num estádio aguardando a remoção. França, Rússia e Holanda já conseguiram permissão de pouso.

Muitas pessoas ainda tentam deixar o país em voos comerciais, mas empresas como a British Airways e a Emirates (a maior do Oriente Médio) cancelaram viagens para Trípoli.